Princípios

Hoje em dia quando se trata de matéria ambiental é impossível, directa ou indirectamente, deixar de ter em conta os diferentes princípios estruturantes desta área jurídica, e que actualmente têm consagração não só a nível nacional como no âmbito comunitário.
Recuando um pouco no tempo apercebemo-nos que começaram por ser princípios de índole económica ou política, e foram evoluindo até se encontrar a sua juridicidade de modo a torna-los operacionais, isto é a converte-los em regras de actuação.
Alguns destes princípios são comuns a diferentes áreas do direito embora com concretizações próprias deste ramo; outros são específicos, ou pelo menos com um âmbito de aplicação mais substancial no direito do Ambiente e vão ser alvo de especial atenção no presente trabalho.
O primeiro grupo contém o princípio da participação, previsto no art. º 3 al c) da Lei de Bases do Ambiente (LBA, Lei 11/87 de 7 de Abril), que visa envolver todos os grupos sociais e entidades públicas na formulação, execução e até na fiscalização das politicas ambientais.
O princípio da cooperação, decorre do art.º 3 al e) do mesmo diploma, tem uma dimensão mais internacional, apela à necessidade de entendimento entre os diferentes países e as organizações ambientais, de modo a estabelecer soluções concertadas para os diferentes problemas que actualmente o ambiente enfrenta.
O art.º 3 al d) da LBA prevê o princípio da integração, que postula uma transversalização das políticas ambientais a outras áreas de intervenção, quase todas as políticas dos diferentes ministérios atravessam o ministério do ambiente, é o “super ministério”.
E, por fim, o principio da responsabilidade previsto, nomeadamente, no art.º 3 al h) da LBA, mas com concretização em diversas leis ambientais com o intuito de corrigir os danos causados, chamando à colação os responsáveis. O responsável pode sofrer uma sanção pecuniária ou ser obrigado a proceder a uma reconstituição, solução preferencial da lei. No entanto, levantam-se diversos problemas, uma vez que dificilmente se consegue saber quem é o concreto poluidor; além do mais como a lesão se reflecte no próprio ambiente, e muitas vezes além fronteiras, questiona-se quem é o lesado que tem de ser ressarcido. Daí a diferenciação de dano ambiental e ecológico, e a necessidade de criação de um fundo estrutural do ambiente, matérias que não cabe aqui desenvolver.
Chegados a este ponto cabe explanar o segundo bloco de princípios, aqueles que têm maior impacto e que necessariamente têm de ser ponderados nos diferentes procedimentos ambientais, já que permitem o apuramento das conclusões necessárias para a tomada de decisões e para a fundamentação das mesmas. De assinalar que a falta de fundamentação gera uma ilegalidade material ou formal consoante tenha existido o procedimento sem fundamentação ou nem sequer haja procedimento.
Comecemos pelo princípio do desenvolvimento sustentável, previsto no art.º 66 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e intimamente ligado ao princípio da protecção das gerações futuras. Apesar de inicialmente ser de índole económica, os elevados graus de desenvolvimento, sobretudo industrial, permitiram concluir que não bastava ligar a economia ao ambiente, era necessário ter em conta outras componentes, como a politica, a cultura, a vertente social e até religiosa…, sendo necessário compatibilizar todos estes intervenientes.
Neste conflito entre desenvolvimento e ecologia, é preciso combinar as duas dimensões, daí o apelo à ideia de futuras gerações e de solidariedade inter-geracional. A conciliação destes dois vectores, ambiente e desenvolvimento económico, só se consegue com recurso à ideia de proporcionalidade. Deve-se ponderar os benefícios económicos e os custos ambientais que acarretam, se estes forem incomportavelmente superiores então deve o ambiente prevalecer em detrimento daquela concreta medida económica. A procura de alternativas é imperiosa para que o desenvolvimento possa ser eco-social, de modo a que as gerações vindouras tenham igualmente um ambiente sadio e possam beneficiar dos recursos naturais existentes. Portanto, e em jeito de conclusão, só podemos usar os bens ambientais na medida do estritamente necessário. Pelo exposto este princípio tem de ser devidamente ponderado em todos os procedimentos ambientais.
Decorre do descrito que os recursos naturais devem ser usados com parcimónia, o que me permite falar do princípio do aproveitamento racional, com consagração no art. 66 n.º 2 al d) da CRP.
O que está em causa é a ideia de racionalizar os recursos disponíveis tendo em conta a escassez dos bens ambientais. É importante no quadro da decisão pública proibir o esbanjamento, se houver um gasto de recursos naturais desnecessário então há falta de eficiência e delapidação do património ambiental. Devem adoptar-se medidas de gestão de modo a aproveitar-se eficazmente aquilo que a natureza nos dá. A palavra de ordem será eficiência ambiental para que se consiga obter uma eco-gestão.
No entanto, nem só o Estado polui, ou é directamente o único a usufruir dos recursos naturais, o homem é um dos principais utilizadores dos mesmos e fortemente responsável por muitos danos ecológicos que ocorrem. Neste contexto surge o princípio do poluidor pagador, consagrado no art.º 66/2 al h) da CRP, art.º 3 al a) da LBA. Começou por se repercutir a nível dos impostos e das taxas, no entanto hoje em dia já assume natureza de sanção pecuniária, como é o caso das contra ordenações. Tem por base o direito fiscal, embora tenha cada vez mais um impulso financeiro, no sentido de que quem actua, independentemente de causar dano para o ambiente, tem de financiar a prevenção e a precaução dos eventuais danos da actividade lesiva (a título exemplificativo cite-se as taxas pagas aos Municípios para que procedam à recolha e tratamento do lixo).
As políticas que advêm desta realidade mudam de ano para ano, não há uma estabilidade nem uma continuidade e por vezes com elas acaba-se por se incentivar escolhas poluentes; é o caso dos combustíveis fósseis, mais baratos e de fácil acesso, face às energias renováveis limpas, ditas amigas do ambiente, que implicam um investimento substancial para o particular, e que nem todos têm meios para o fazer (por exemplo aquisição de painéis solares), o que as torna mais raras e caras.
Actualmente os instrumentos financeiros disponíveis passam não só pelas taxas e pelos impostos, como por politicas de preços e benefícios fiscais. A própria LBA, no seu art.º 24 n.º 1 al c) “coloca” a maquina fiscal ao serviço do ambiente.
Em suma, neste contexto, e diferentemente da responsabilidade por danos, em que se exige um nexo causal, basta que se desenvolva a actividade para pagar.
Intimamente ligado a este princípio está um outro, o princípio da correcção na fonte ou do produtor eliminador, previsto no art.º 3/1 al g) da Lei da Água, Lei 58/2005 de 29 de Dezembro. Como já se afirmou anteriormente a poluição não tem fronteiras, o que leva a questionar quem, como e quando poluiu! Para afastar eventuais injustiças a nível dos destinatários das sanções, e evitar a impossibilidade de as aplicar, deve-se actuar, quer a nível espacial quer a nível temporal, na origem. É ao poluidor que se deve impor as consequências da sua actividade ou a tomada de medidas que previnam os danos. Por exemplo, é mais fácil proceder ao tratamento de águas junto de uma fábrica, do que depois de feita a descarga limpar todo o rio e recuperar toda a fauna e flora destruídas! Mais uma vez a palavra de ordem é prevenir, precaver o dano.
Em todos os princípios enunciados falou-se em prevenir, evitar, precaver, pois bem, relacionado com todos eles há um outro. É um princípio basilar e como se viu sustenta todos os outros, é o princípio da prevenção.
Tem consagração no art.º 66/2 al a) da CRP, no art.º 3 al a) da LBA e até na própria Lei da água. É um princípio geral de direito administrativo e de direito público, sendo, portanto, operacional e susceptível de ser aplicado.
A regra neste caso é o bom senso, e, citando a sabedoria popular mais vale prevenir do que remediar. Na realidade o que se visa, mais uma vez, é evitar lesões no ambiente. Para tal as autoridades públicas devem antecipar quais as consequências futuras das diferentes actividades e prevenir os danos ambientais resultantes das mesmas, tomando as medidas necessárias para os minorar. Está em causa um juízo de prognose relativamente aos efeitos potencialmente lesivos que determinada situação possa desencadear. Essa capacidade de antecipação que é exigida visa reduzir ou mesmo afastar as consequências danosas. Como tal, este princípio não deve ser visto como uma reacção ao dano que já ocorreu.
Possui uma dupla capacidade, por um lado uma vertente restrita, evitar prejuízos concretos e imediatos, reconduzindo-se a uma realidade presente e premente; por outro, uma vertente ampla, que tem por base a ideia de afastar qualquer risco futuro, ainda que não seja inteiramente determinável. Este conteúdo mais ou menos amplo leva a que alguma doutrina autonomize a vertente mais ampla, vendo nela o princípio da precaução, reconduzindo a prevenção à noção mais restrita.
Na precaução há uma inversão do ónus da prova, in dúbio pró natura, se há escassez de recursos naturais, uma vez que muitos possuem um carácter irrepetível mais vale adoptar uma conduta não lesiva para o ambiente, do que optar pela solução potencialmente lesiva e depois recorrer-se à via ressarcitória. Logo na falta de demonstração que determinada conduta/actividade é não lesiva, não se autoriza, na falta dessa certeza científica não se faz. Cabe ao agente demonstrar que essa actividade não é potencialmente lesiva. Recorre-se a uma lógica causal que não é tradicional no direito civil.
No entanto há quem defenda que os dois princípios devem continuar unidos e que nada justifica a cisão, o princípio da prevenção deve ser interpretado de uma forma lata de modo a conter as duas vertentes. O Professor Vasco Pereira da Silva defende esta concepção ampla, numa lógica operativa uma vez que é juridicamente concretizavel. Logo qualquer actuação destinada a evitar riscos cabe no princípio da prevenção. Não há razões para distinguir, nem é desejável faze-lo, uma vez que os fundamentos apontados não procedem. São sobretudo argumentos de ordem linguística (são sinónimos), de conteúdo material (o facto de o dano ser actual ou futuro, de ser um risco ou um perigo levaria à distinção) e de técnica jurídica (embora a nível comunitário se autonomize, a verdade é o conteúdo amplo é constitucionalmente protegido), o que nas palavras do Professor conduziria a uma “autonomização de uma “incerta” precaução”, como tal é preferível um conteúdo mais vasto, que abarque perigos naturais e humanos e a antecipação de danos actuais ou futuros.
É de salientar, no entanto, que a Lei da água no seu art.º 3 n.º 1 als e) e f) separa estes dos princípios, o que dificulta o suporte da posição do Prof. No art.º em causa não aparece como inversão do ónus da prova, procede-se a uma precaução pela positiva, o agente não tem de provar que não há dano, mas sim que não há risco.
Pelo exposto conclui-se que se está perante um princípio jurídico fundamental, que obriga que seja feito um juízo de prognose sobre as possíveis consequências, de modo a acautelar danos prováveis ou mesmo supri-los.
Existem diferentes mecanismos consagrados na lei em que é possível encontrar a manifestação deste princípio, por exemplo nos estudos de impacto ambiental (Decreto-Lei 69/2000 de 3 de Maio, conhecido pelo regime de avaliação de impacto ambiental), é necessário saber qual o impacto que determinado projecto vai ter para se anteciparem as medidas que colmatem os danos apontados, ou saber se sequer é viável a concretização do mesmo.
Nunca devemos encontrar neste âmbito um deferimento tácito porque isso seria sinónimo de uma não análise do problema. Se esta dimensão ambiental não for tida em conta então futuramente teremos consequências mais difíceis de ultrapassar.
Embora sejam princípios ainda numa “fase de maturação” e bastante recentes a verdade é que são aplicados sistematicamente, e sendo a sua concretização e preenchimento uma mais valia para todos aqueles que deles se socorrem. Um ambiente saudável hoje, amanha e sempre, depende em grande medida destas directrizes que vão sendo densificadas à medida que novos problemas surgem. Se a lei responde aos litígios que já conhecemos, os princípios permitem alcançar soluções justas e favoráveis para as situações que nem a imaginação humana consegue prever. Em última análise são sempre a base para garantir uma boa qualidade de vida ambiental e para “curar” as feridas que vamos fazendo no nosso planeta, por isso é necessário sensibilizar, informar e formar, para que sejamos conscientes da nossas responsabilidades.

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