Protocolo de Quioto e suas repercurssoes no direito português
Publicada por Subturma 1 + 5 à(s) 22:56-Enquadramento Geral
O Protocolo de Quioto nasce como o resultado de diversos trabalhos de natureza internacional, movidos pelo espírito consciente de que o planeta atravessa um período delicado no que respeita à problemática ambiental.
O ponto de partida de maior relevo é marcado pela Toronto Conference on the Changing Atmosphere, no Canadá, na data de Outubro de 1988. Posteriormente, pelo IPCC´s First Assessment Report, em Sundsvall, na Suécia, em Agosto de 1990.
Contudo o momento determinante para o nascimento do Protocolo de Quioto foi a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CQNUMC, ou UNFCC em inglês), realizada na ECO-92, no Rio de Janeiro, Brasil, em Junho de 1992. Em 4 de Fevereiro de 1991, o Conselho autorizou a Comissão a participar em nome da Comunidade Europeia nas negociações relativas à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, adoptada em Nova Iorque em 9 de Maio de 1992.
A Convenção-Quadro foi ratificada pela Comunidade Europeia através da Decisão 94/69/CE, de 15 de Dezembro de 1993, que entrou em vigor em 21 de Março de 1994.
Muitos são os autores que consideram que a Convenção-Quadro foi coroada de êxito, nomeadamente por permitir a consciencialização do público a nível mundial em relação aos problemas ligados às alterações climáticas. Um exemplo de tal êxito traduz-se no facto de a União Europeia ter conseguido respeitar o compromisso assumido no âmbito da Convenção, que se baseava na reposição, em 2000, dos níveis de emissões que haviam sido registadas em 1990. No entanto, muitos países industrializados, incluindo os EUA, não alcançaram o objectivo de estabilização da concentração de gases com efeito de estufa nesses níveis.
Um dos princípios orientadores da Convenção-Quadro baseava-se na responsabilidade comum dos diferentes Estados poluidores. Porém, tal responsabilidade assume uma natureza diferenciada. Atendendo ao passado, ao presente e numa perspectiva de futuro, é possível organizar os vários países em causa em diferentes blocos, tendo como critério a quantidade de emissões realizadas. Cada país tem, portanto, uma responsabilidade diferenciada consoante o seu contributo na poluição ambiental.
O tratado resultante da CQNUMC não fixou, inicialmente, qualquer limite obrigatório para a emissão de gases poluente, nem continha disposições coercivas para os Estados mais poluidores.
Determinou-se que a definição de quotas máximas de poluição atmosférica através de emissão de GEE (Gases de efeito de estufa), ficaria ao cargo de futuros protocolos. É, neste contexto, que o Protocolo de Quioto surge como o principal elemento de controlo de emissão de poluentes atmosféricos, tornando-se mais conhecido do que a própria CQNUMC.
Os Estados signatários da Convenção decidiram portanto, durante a quarta conferência das Partes, que teve lugar em Berlim em Março de 1995, negociar um protocolo a aplicar pelos países industrializados e que contém medidas de redução das emissões para o período posterior a 2000. Na sequência de longos trabalhos, o Protocolo de Quioto foi adoptado em 11 de Dezembro de 1997, na cidade de Quioto, no Japão.
A Comunidade Europeia assinou o Protocolo em 29 de Abril de 1998. Em Dezembro de 2001, o Conselho Europeu de Laeken confirmou a vontade da União de ver o Protocolo de Quioto entrar em vigor antes da cimeira mundial do desenvolvimento sustentável de Joanesburgo (26 de Agosto - 4 de Setembro de 2002). Para tal, a nova decisão aprova o Protocolo em nome da Comunidade. Os Estados-Membros comprometeram-se a depositar os seus instrumentos de ratificação ao mesmo tempo que a Comunidade e, na medida do possível, antes de 1 de Junho de 2002.
Contudo, a sua entrada em vigor ocorre apenas em 16 de Fevereiro de 2005.
Quioto vem estabelecer compromissos rigorosos a cada Estado no que respeita aos limites máximos de emissão de gases responsáveis pelo aumento do efeito de estufa e, consequentemente, do aquecimento global.
O referido intervalo de tempo entre a assinatura, ratificação e entrada em vigor justifica-se pela necessidade de se reunir ratificações suficientes que correspondessem a 55% dos países e que, por sua vez, produzissem 55% das emissões determinadas.
- Objectivos traçados
As partes incluídas no Anexo I comprometem-se a assegurar, individual ou conjuntamente, que as suas emissões antropogénicas agregadas, expressas em equivalentes de dióxido de carbono, dos gases com efeito de estufa incluídos no Anexo A não excedam as quantidades atribuídas (art. 3º, nº1 do Protocolo de Quioto)
O principal objectivo de Quioto traduz-se na imposição de limites à emissão de gases poluentes para a atmosfera. Sendo que, tal propósito obriga aos países desenvolvidos a redução de emissão de GEE em, pelo menos, 5% em relação aos nível de 1990. Esta obrigação compreende o primeiro período de compromisso, correspondendo ao intervalo de tempo entre o ano de 2008 e 2012 (art. 3º, nº1 do Protocolo de Quioto).
Para além desta redução em bloco, cada país do Anexo I tem o seu próprio objectivo de limitação ou redução.
Entenda-se que esta imposição traduz-se num encargo de tal ordem severo que para muitos dos países pertencentes à U.E. corresponderá à diminuição de cerca de 15% das emissões que se previa para o actual ano de 2008.
A concretização do objectivo imposto pelo Protocolo exige um acentuado esforço por parte dos países poluidores, nomeadamente na reestruturação de várias actividades económicas. Neste sentido o próprio Protocolo incentiva aos países signatários o desenvolvimento de um sistema de cooperação entre si. São exemplos possíveis de tal processo de coadjuvação a promoção de uso de fontes de energia renováveis; a reformulação dos sectores de energia e transportes; a criação e protecção de floresta, entre outros.
Estima-se que, se o Protocolo de Quioto for devidamente cumprido, resultará na diminuição da temperatura global entre 1,4ºC e 5,8ºC até ao ano de 2100. Contudo, estes valores estão sujeitos ao sucesso das negociações após o primeiro período de compromisso (2008/2012), pois existem comunidades científicas que defendem veemente que a redução de 5% em relação aos níveis de 1990 é insuficiente para a diminuição do aquecimento global. Não obstante a divergência em torno dos resultados científicos provenientes das metas impostas por Quioto, a questão fulcral é que algo tem de ser feito no sentido de travar ou, pelo menos, reduzir o avanço da poluição atmosférica.
Como meio de controlo do desempenho dos países Partes no desempenho dos objectivos definidos, o Protocolo exige que estes se comprometam a criar, o mais tardar um ano antes do início do período de cumprimento, um sistema nacional para a estimativa das emissões antropogénicas por fontes, bem como das remoções por escoadouros, de todos os gases com efeito de estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, (art.5º do Protocolo de Quioto).
- Medidas a implementar
Para que se torne possível alcançar as metas traçadas, o próprio Protocolo indica, no art. 2º, um conjunto de medidas que devem ser seguidas pelas Partes. A referir a título exemplificativo:
a) Melhorar a eficiência energética em sectores relevantes da economia nacional;
b) Proteger e melhorar os escoadouros e reservatórios de gases com efeito de estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, bem como promover práticas sustentáveis de gestão da floresta, de florestação e de reflorestação;
c) Promover formas sustentáveis de agricultura à luz de considerações sobre mudanças climáticas;
d) Investigar, promover, desenvolver e aumentar a utilização de formas de energia novas e renováveis e tecnologias de absorção de dióxido de carbono;
e) Limitar as emissões de metano através da sua recuperação e uso na gestão de resíduos, bem como na produção, transporte e distribuição de energia.
- Processo de ratificação
Em torno do Protocolo de Quioto nasce uma outra questão: a sua ratificação por parte de todos os Estados poluidores.
De acordo com um relatório da Agência Internacional de Energia divulgada em Dezembro de 2005, 80% das emissões de GEE’s têm origem em 22 países, sendo que o papel de destaque neste valor cabe aos Estados Unidos.
Ponderadas as vantagens e desvantagens de Quioto, alguns Estados decidem não participar na elaboração ou, posteriormente, não ratificar o acordo ambiental. O caso mais flagrante ocorre com a recusa da ratificação por parte dos EUA. O presidente George W. Bush alega que a vinculação dos E.U.A a Quioto trará fortes entraves ao desenvolvimento económico dos estados norte-americanos.
Esta questão remete-nos para a problemática da compatibilidade entre os vários direitos em causa, nomeadamente entre o direito ao ambiente e os direitos económicos e sociais.
Muito embora Portugal não tenha rejeitado a ratificação do Protocolo de Quioto, a sua efectivação no plano nacional trará, inevitavelmente, casos de incompatibilidade ou conflito de interesses, contrapondo a defesa do ambiente ao desenvolvimento económico. Na realidade é a disparidade de interesses que podem estar em causa que coloca entraves à total adopção de Quioto por parte de todos os países à escala mundial. O controlo do limite máximo imposto de GEE´s pelo Protocolo torna necessário o desenvolvimento de um conjunto de medidas restritivas ao crescimento de empresas de cariz industrial, desde logo pela necessidade de constantes licenças, vistorias e controlo das actividades desenvolvidas por parte de autoridades competentes, tanto a nível nacional como, sempre que seja caso disso, internacionais.
Não obstante os entraves levantados pelos E.U.A, alguns municípios, Estados (ex. Califórnia) e indústrias do nordeste dos Estados Unidos já iniciaram um processo de adaptabilidade aos requisitos de Quioto, através da pesquisa de possibilidades de reduzir a emissão de gases tóxicos, não abdicando contudo da margem de lucro que as actividades económicas proporcionam.
Na realidade o abandono, por parte dos EUA, fez estremecer a eficácia do Protocolo, contudo a União Europeia decidiu, unanimemente, que tal ausência não deveria traduzir-se no fracasso de cerca de seis anos de negociações e trabalho em torno das questões ambientais. Na tentativa de reverter o quadro pouco promissório, a EU começa a reunir esforços no sentido de continuar os esforços em torno da concretização das metas de Quioto, permanecendo no controlo das negociações com os diferentes Estados Partes – Jornal O Público, de 13 de Julho de 2001.
- Sumidores de carbono
Em Julho de 2001, surge, em Bonn, Alemanha, uma proposta que previa o abrandamento das metas estipuladas pelo Protocolo de Quioto. Sugeria-se, no momento do referendo do Protocolo na Alemanha, a criação de “sumidores de carbono” e o seu papel na diminuição do esforço que o cumprimento de Quioto comporta.
Neste sentido, os países que tivessem grandes áreas florestais, enquanto absorventes naturais de CO2, poderiam usar esse factor como crédito, sendo-lhes permitido uma emissão de gases poluentes superior à prevista, na medida em que as suas florestas iriam “compensar” essa poluição com a absorção natural de CO2.
Esta medida levaria ao ponto em que os países desenvolvidos, enquanto principais poluidores, transfeririam parte das suas indústrias mais poluentes para países onde o nível de emissão é baixo.
Contudo esta política exigiria um conjunto de estudos minuciosos sobre a quantidade de carbono que cada floresta, com as suas características e dimensões, seria capaz de absorver. Só com este estudo se poderia garantir que não aconteceriam problemas de super ou subvalorização de valores pagos por meio dos créditos de carbono.
Não obstante a interessante proposta, o certo é que Quioto deixou em aberto este assunto, sendo que, a partir da Conferência de Joanesburgo, ficou definida a inconsistência desta possibilidade em relação aos objectivos do Protocolo. O objectivo determinante de Quioto é o desenvolvimento de uma política em que se deixa de poluir, e não uma poluição permitida onde há florestas, pois, deste modo, o saldo continuaria negativo para com o planeta.
- Gases Regulados
O Protocolo de Quioto tem em vista regular seis dos principais gases de efeito de estufa: o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hydroflurocarbonetos (HFCs), perfluorocarbonetos (PFCs) e hexafluoro sulfúrico (SF6).
No que respeita aos três últimos gases referidos no parágrafo precedente o Protocolo estipulou como ano base 1995, e não 1990. Não obstante estes gases serem emitidos em reduzidas quantidades, assumem um grande peso nos níveis de poluição ambiental, na medida em que não são absorvidos pelos ecossistemas, devido à inexistência de sumidores naturais destes; por outro lado, a sua permanência na atmosfera atinge uma durabilidade muito superior aos restantes gases poluentes, nomeadamente, o CO2.
- Instrumentos de cooperação
O Protocolo marca uma das principais novidades no plano da conciliação da problemática ambiental com o equilíbrio do desenvolvimento económico mundial. Neste sentido, prevê-se, pela primeira vez, um conjunto de mecanismos de mercado na prossecução dos objectivos de redução de GEE.
Com a designação de “instrumentos de cooperação”, os mecanismos de mercado supra mencionados baseiam-se em três variações de comércio de emissões: a) comércio de emissões tout court; b) implementação conjunta; e, c) mecanismos de desenvolvimento limpo.
a) Através do comércio de emissões em sentido estrito, as Partes converteram as suas quotas de emissão em licenças de emissão transaccionáveis. Deste modo, o país adquirente adiciona à quota de emissão que lhe é permitido, as licenças compradas. Por sua vez, o país vendedor deduz essas mesmas licenças da sua quota de emissão. Com esta “relação económica ambiental” o limite global de emissões mantém-se inalterado, sendo que os países como mais poluidor e com maior poder de compra poderá aumentar os seus níveis de emissões, comercializando a sua licença de poluição com outros países.
b) A implementação conjunta consiste na possibilidade de um país, através do financiamentos de projectos de eficiência energética e/ou de retenção de GEE em florestas, cumprir parte dos seus compromissos. A concretização de projectos de IC gera “unidades de redução de emissões” (UREs – Emission reduction units) que, futuramente, poderão ser usadas pelo país investidor, traduzindo-se no aumento das suas quotas de emissões, sendo, naturalmente, deduzidas à quota de emissões do país beneficiado pelo projecto.
c) O terceiro “instrumento de cooperação” é idêntica à política de implementação conjunta, sendo que a única diferença se baseia no facto de os projectos ocorrerem entre países com objectivos de redução e países sem esses objectivos, i.e. os países em desenvolvimento. As unidades transaccionadas pelo mecanismo de desenvolvimento limpo são os certificados de reduções de emissões (CREs) resultantes de projectos também certificados. Esta certificação tem um cariz multilateral e independente.
O princípio presente em Quioto baseia-se em apostar numa redução de emissão de GEE que seja economicamente vantajosa, pois desta forma será mais efectiva e realista.
- Recolha, transmissão e verificação de informação
Um dos mais significativos progressos do Protocolo de Quioto assenta na defesa da garantia de padrões mínimos de credibilidade e compatibilidade da informação prestada por cada país contratante em relação as emissões de GEE. De facto, a natureza das obrigações assumidas com o Protocolo, aliadas à consagração de instrumentos de mercado, depende profundamente da informação disponibilizada e verificada por cada Estado. O sistema de recolha, transmissão e verificação da informação prestada pelas Partes firma a ideia de continuidade no fluir dessa informação, introduzindo dessa forma um declive de normalidade e regularidade indispensável à concretização das medidas pretendidas.
Nesta perspectiva, o Protocolo convencionou que cada Estado contratante tem de submeter anualmente um inventário das emissões Humanas de GEE.
- Cumprimento das obrigações assumidas
Não obstante a grande maioria das propostas sobre o Protocolo defenderem a necessidade de dotar este acordo de um efectivo sistema de cumprimento da garantia de redução de emissão de GEE, a verdade é que o texto final aprovado mostra-se bem menos exigente do que se fazia esperar.
As obrigações assumidas em Quioto revelam-se, com um grau de probabilidade elevado, inadequadas ou insuficientes para o alcance dos objectivos ambientais necessários para combater a, cada vez mais acentuada, mudança climática.
Nesta perspectiva, é de salientar, à semelhança de outros acordos internacionais sobre ambiente, a possibilidade que o Protocolo prevê de sofrer processos de revisão.
A revisão de compromissos a que se refere o acordo deverá ter por base a informação, de cariz científico, técnico, social e económico, que será disponibilizada pelos países vinculados. Ainda a salientar é a não sujeição do processo de revisão a qualquer periodicidade pré-determinada.
Curioso é, contudo, que a linguagem do Protocolo diverge um pouco da que encontramos em outros tratados internacionais, nomeadamente o Protocolo de Montreal e a Convenção da Biodiversidade. Em Quioto o fenómeno de revisão refere-se ao seu próprio texto; por sua vez os referidos acordos reportam-se à revisão da “adequação dos compromissos”. Esta diferença de concepções da possibilidade de revisão dos acordos reflectem o compromisso possível entre os países envolvidos pelo âmbito do Protocolo, embora o texto final pareça deixar tudo em aberto, nomeadamente no que respeita a compromissos dirigidos aos países em desenvolvimento.
O processo de revisão do texto do Protocolo encontra previsão no art. 9º do Protocolo de Quioto que “ A Conferência das Partes (…) procederá periodicamente à revisão do (presente) Protocolo à luz das melhores informações e avaliações científicas disponíveis sobre as mudanças climáticas e seus impactes, assim como de relevante informação técnica, social e económica”.
O protocolo considera que os países em desenvolvimento contribuem menos para as alterações climatéricas, mas que provavelmente sofrem mais com os seus efeitos.
Contudo, muitos destes países já assinaram o protocolo, apesar de não estarem por isso sujeitos a cumprirem quaisquer limites na emissão de gases. Têm apenas de informar sobre os seus níveis de emissões.
A participação dos países em vias de desenvolvimento verificou-se apenas no período final das negociações de Quioto, devido sobretudo ao facto de só nesse momento se ter desbloqueado o processo negocial entre os países desenvolvidos. No entanto, dois acontecimentos devem ser destacados, um antes e outro já pós Quioto.
Alguns meses antes da entrada em vigor, o Congresso Americano aprovou uma célebre resolução que, entre outros aspectos, afirmava que o Congresso não ratificaria o Protocolo sem a inclusão de compromissos pela Parte dos PVDs. Já pós Quioto, a Nova Zelândia, embora tendo em conta os objectivos dos JUSSCANZ em geral e dos EUA em particular, apresentou uma proposta de negociação que incluía a participação de PVD´s ao nível de metas e limitação e/ou redução voluntárias.
Outra solução não se devia esperar, pelo que os PVD´s opuseram-se veementes a quaisquer compromissos da sua Parte. Tal posição é realçada, na madrugada de 11 de Dezembro, um dia após o prazo para o encerramento formal das negociações, com a oposição dos países em desenvolvimento na adopção de um artigo prevendo a sua participação em termos de objectivos de limitação de emissões futuras.
De salientar é, igualmente, as intervenções da Índia e da China, que até então se haviam mantido afastadas das negociações, passando a falar em equidade de direitos sobre a atmosfera de todos os povos do planeta.
Começamos a assistir a um fenómeno crescente da preocupação para com a problemática ambiental e, muito embora os PVD´s não se pudessem apresentar como um bloco, alguns países da América Latina e os Pequenos Estados Ilha (OASIS) não eram contra a sua vinculação aos compromissos de Quioto. Porém, acabou por prevalecer a vontade do conjunto, estando, para já, afastada a possibilidade de compromissos para os PVD´s.
No próprio texto do Protocolo encontramos referência à preocupação de conciliar a concretização dos objectivos determinados com as dificuldades que tal processo acarreta, principalmente, nos PVD´s. O art. 11º de Quioto, no seu nº2, alude ao compromisso dos países desenvolvidos e demais partes desenvolvidas incluídas no Anexo II da Convenção:
a) “Providenciar recursos financeiros novos e adicionais para cobrir a totalidade dos custos acordados incorridos por Partes constituídas por países”;
b) “Providenciar também esses recursos financeiros, inclusive para a transferência de tecnologia, de que necessitam as Partes constituídas por países em desenvolvimento para cobrir a totalidade dos custos adicionais destinados a promoverem a implementação dos compromissos assumidos”.
- Portugal, a sua actuação enquanto Parte de Quioto
Para Portugal a ratificação do Protocolo de Quioto trouxe a obrigação de restringir a emissão de gases, estabelecendo-se como valor máximo de aumento de emissões 27%, durante o período 2008-2012, em comparação com as emissões de 1990, que é considerado o ano de referência.
A estipulação do valor referido no parágrafo anterior foi adoptada como forma de não penalizar gravemente os países da U.E. que menos poluem (Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia), dado que todo o processo de redução de emissões de gases poluentes envolve elevado custos, afectando a coesão económica desses mesmos países. Por sua vez, sobre os países mais ricos/poluidores estabeleceu-se um limite máximo de aumento de emissões, para o mesmo período, bastante mais severo.
A entrada de Portugal enquanto Parte do Protocolo de Quioto traduziu-se na necessidade de reunir esforços no sentido de criar diplomas legislativos que regulem, no plano interno, a problemática de emissão de GEE´s.
Com o Decreto-Lei nº233/2004, de 14 de Dezembro foi instituído o regime jurídico de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade Europeia, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/87/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, 13 de Outubro, respeitante a tal problemática.
Posteriormente, o citado Decreto-Lei nº 233/2004 foi alvo de duas alterações, respectivamente pelos Decretos-lei nº 243-A/2004, de 31 de Dezembro, e 230/2005,de 29 de Dezembro, as quais visaram melhorar a operacionalidade do regime referente ao comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (CELE - Comércio Europeu de Licenças de Emissão) na Comunidade Europeia.
No âmbito de uma melhor articulação com o direito internacional, foi entretanto aprovada a Directiva
Nº 2004/101/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Outubro, que visa articular o regime estabelecido pela Directiva nº 2003/87/CE com o Protocolo de Quioto, sendo, como tal, vulgarmente designada por Directiva Linking.
O Decreto-lei nº72/2006 transpõe a Directiva nº 2004/101/CE, proporcionando aos operadores do CELE a possibilidade de utilização de créditos de emissão gerados através de actividades de projecto elegíveis por força dos artigos 6º e 12º do referido Protocolo, alterando nessa medida o Decreto-Lei nº 233/2004, de 14 de Dezembro.
Por razões de economia legislativa, o presente decreto-lei introduz ainda alterações ao regime vigente que visam melhorar a sua operacionalidade, nomeadamente por via de uma maior articulação com a regulamentação nacional e comunitária que, entretanto, foi produzida.
Estas alterações referem-se, designadamente, a matérias relativas à verificação dos relatórios a apresentar pelos operadores, ao pedido e modificação do título de emissão, a requisitos inerentes ao registo português de licenças de emissão e a outras questões que reflectem a desadequação do regime em vigor face ao modelo de funcionamento pretendido para o CELE ao nível nacional.
Ao que se refere a matéria de verificação dos relatórios, o sistema de verificação assenta em verificadores independentes qualificados, previamente submetidos a um processo de reconhecimento da sua competência para o exercício da actividade de verificador, baseado na credibilidade, idoneidade e independência dos profissionais. Nestes termos, os relatórios verificados estão baseados num sistema de garantia de qualidade que dispensa um procedimento de avaliação ou validação prévia determinante
da produção dos seus efeitos, o que está agora na base da alteração da data limite para entrega dos
relatórios, de 28 de Fevereiro para 31 de Março de cada ano. Este aspecto não dispensa, contudo, uma posterior avaliação da qualidade dos relatórios verificados, por parte da autoridade competente, como garante da qualidade global do processo de verificação.
No que respeita ao pedido e modificação do título de emissão, as alterações ora preconizadas vão no sentido de uma maior aproximação das entidades coordenadoras do licenciamento das instalações em causa, bem como de distinguir o pedido de título do procedimento de licença ambiental, de forma a conferir maior celeridade aos respectivos procedimentos administrativos.
Por sua vez, as formalidades relativas à transferência, devolução e anulação de licenças são reguladas
pelo Regulamento (CE) nº 2216/2004, de 21 de Dezembro, directamente aplicável em todos os Estados membros. Deste modo, dispondo o regulamento de efeito directo no ordenamento jurídico interno e não contendo qualquer norma que necessite de acto legislativo interno que lhe garanta a exequibilidade, não se afigura necessário que tal matéria seja objecto de portaria. Desta forma, evita-se também que qualquer alteração ao regulamento obrigue a consequente alteração à portaria.
Igual procedimento foi tido em conta quanto às regras de monitorização e comunicação de informações relativas às emissões, que são definidas por um diploma comunitário de aplicação directa aos Estados membros — Decisão nº 2004/156/CE, de 29 de Janeiro.
Por fim, são ainda inseridas normas que se prendem com a necessidade de garantir mais ampla e efectiva coercibilidade de soluções já consagradas e com alterações relativas à rectificação de algumas remissões incorrectas. – Preâmbulo do D.L. 72/2006
Contudo, a realidade é que Portugal e Espanha disputam, neste momento, a “camisola amarela” na corrida da poluição. – www.youngreporters.org
Estudos revelam que a Península Ibérica, muito embora tenha sido contemplada com um limite máximo de emissões permitido superior à média europeia, no período de 1990 e 2002 o aumento de emissões de GEE´s foi de cerca de 40%.
Só no ano passado (2007), Portugal emitiu aproximadamente 83 milhões de toneladas de dióxido de carbono.
Analisando diferentes causas de poluição, Francisco Ferreira, da associação ambientalista, refere que o ponto principal para o ataque ao avanço do nível de emissões de GEE´s em Portugal passa pela reformulação da política de transportes, muito embora, em comparação com o ano de 2005, os valores globais serem actualmente mais positivos.
“É uma enorme contradição em que por um lado se procura cumprir Quioto e se fala na necessidade de uma real aposta nos transportes colectivos, mas por outro lado faz-se investimentos enormes em estradas e auto-estradas”, acrescenta.
A Quercus está cada vez mais convencida que Portugal vai ter muita dificuldade em respeitar o protocolo de Quioto. As emissões de gases com efeito de estufa emitidos por Portugal em 2006 ultrapassaram em 13 por cento o limite fixado. – TSF Online, 20 de Abril de 2008
Todavia, recentemente o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional vêm desmentir categoricamente as notícias e títulos alegando que Portugal não reúne condições para cumprir na íntegra os compromissos avocados com Quioto. Pelo contrário, e em coerência com as recentes declarações do Ministro do Ambiente, já se encontram, hoje, definidos os três pilares pelos quais Portugal cumprirá os seus compromissos internacionais:
I) O Programa Nacional para as Alterações Climáticas, revisto em 2006, elencando um conjunto reforçado de medidas internas de redução de emissões;
II) O Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão, em fase final de aprovação, e pelo qual se limitam as emissões do sector industrial e electroprodutor;
III) O Fundo Português de Carbono, pelo qual se investirá até 348 milhões de euros até 2012 para aquisição de créditos de redução de emissões.
O Governo alerta, ainda, para a necessidade de não se cair num estado de precipitado negativismo quando se atende apenas às actuais estimativas de emissões, dado estarem acima da meta imposta. Desde logo, porque o período de cumprimento decorre entre o ano de 2008 e 2012, e não antes; para além de que, o Protocolo de Quioto prevê “mecanismos de flexibilidade”, através dos quais as metas podem ser cumpridas legitimamente através da aquisição de créditos de redução de emissões através de investimento limpo em PVD ´s, como aquele a que se destina o Fundo Português de Carbono. Pelo referido, o facto de actualmente se apresentar com um défice de carbono nacional, ainda no período de cumprimento, não implica, obrigatoriamente, o não cumprimento das metas estipuladas.
- Objectivos alcançados
Os países industrializados já cortaram a suas emissões em cerca de 3% entre 1990 e 2000, mas a Organização das Nações Unidas (ONU) teme que até 2010 os mesmos países apresentem emissões 10% acima dos valores de 1990.
Em 2001, o tratado de Quioto foi consideravelmente abalado com a saída dos Estados Unidos. Não há também a certeza de que os 15 países membros da UE em 1997 atinjam os seus objectivos de redução das emissões em 8% face aos valores de 1990. A França, a Suécia, e o Reino Unidos já atingiram os valores pretendidos, mas outros como Portugal, Espanha e a Irlanda não registaram qualquer progresso.
- Principais efeitos de Quioto
A maioria dos cientistas considera que os actuais objectivos de Quioto são apenas uma solução muito superficial para o problema. O protocolo aponta para a emissão de gases nos países industrializados apenas em 5%, quando é o consenso geral dos especialistas que para evitar as piores consequências do aquecimento global a redução deve ser pelo menos de 60%.
Tal leva a que muitos considerem que o protocolo não está bem pensado e que é virtualmente obsoleto sem o apoio dos Estados Unidos, enquanto outros julgam que o seu fracasso seria um desastre dado que, apesar das suas falhas, determina uma estrutura de trabalho para futuras negociações.
- Em conclusão
Na realidade, o contributo de Quioto no combate à poluição atmosférica mostra-se ainda pouco eficiente em termos de percentagens. Contudo, o trabalho desenvolvido nos últimos anos é determinante para a continuidade da sobrevivência no nosso planeta. A humanidade atravessa um período bastante delicado no que respeita ao equilíbrio ecológico, assistindo-se a uma tendência em sentido ainda mais negativo. Deste modo, e porque a noção desta realidade ainda não existe em muitas sociedades, mais do que querermos alcançar resultados ecológicos, é fundamental atingir metas sociais de consciencialização de que é urgente agir na luta contra a degradação da qualidade de vida na Terra.
É nesta perspectiva que considero que não devemos olhar para os, ainda, “fracos” resultados do Protocolo de Quioto com uma postura negativa de desânimo. Pelo contrário, algo está a ser feito no sentido de traçar um caminho fundamental na defesa da atmosfera que nos rodeia, sendo, deste modo, imprescindível a continuação de união de esforços de cariz ambientalista.
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