Regime legal do ruído (DL 292/2000) – Problema de âmbito de aplicação
Publicada por Subturma 11 à(s) 21:56Têm surgido algumas dúvidas sobre o âmbito normativo do Decreto Lei nº 292/2000, de 14 de Novembro, diploma que regula o Ruído.
A principal dúvida surge pelo facto do citado diploma referir expressamente, no n.º 2 do seu art. 1.º, sob a epígrafe "Objecto e âmbito de aplicação", que o mesmo se aplica "ao ruído de vizinhança e às actividades ruidosas, permanentes e temporárias, susceptíveis de causar incomodidade", reportando de seguida a norma em questão, e entre outras situações, a "implantação, construção, reconstrução, ampliação e alteração da utilização de edifícios", e o n.º 10 do art. 5.º do mesmo diploma estabelecer que "O licenciamento ou a autorização do início de utilização, de abertura ou de funcionamento das actividades previstas no n.º 2 do artigo 1.º que se encontrem abrangidas pelo disposto nos n.ºs 2 a 4 do presente artigo carece de prévia certificação do cumprimento do regime jurídico sobre poluição sonora".
Antes de mais cabe dizer que o direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado deve ser assumido como um direito subjectivo de todo e qualquer cidadão individualmente considerado, podendo ainda, e por outro lado, assumir-se, de acordo com a ordem jurídico-constitucional portuguesa, como direito a uma acção do Estado, ao qual está adstrito o dever jurídico de desenvolver os necessários mecanismos e procedimentos conducentes ao controlo e prevenção de acções poluidoras que concorram para a degradação da qualidade do ambiente, naquelas incluindo-se, obviamente, as acções que afectem negativamente a saúde e o bem-estar das populações.
Ora, entre os deveres cometidos ao Estado (e, naturalmente, às autarquias locais), neste âmbito, releva o específico dever de prevenção do ruído, contrapondo-lhe o correlativo direito dos administrados à protecção contra o ruído, direito este que goza de especial tutela garantística, merecendo, da parte dos órgãos e serviços da Administração Pública, uma especial e redobrada atenção. Com efeito, a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cfr. n.º s 1 e 2 do art. 266º da Constituição e 3º e 4º do Código do Procedimento Administrativo), pelo que não pode deixar de acautelar, no exercício das funções que lhe são cometidas, o respeito pelo cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis em matéria de ruído, o que passa necessariamente pela observância dos níveis sonoros legalmente estabelecidos no que tange ao exercício de actividades ruidosas, assumindo aqui um papel relevante a intervenção fiscalizadora municipal.
O próprio legislador cominou, de resto, no actual regime jurídico, com a nulidade os actos de licenciamento de actividades ruidosas, praticados na vigência do mesmo, quando não sejam precedidos da certificação do cumprimento do regime jurídico sobre poluição sonora (cfr. n.º 12 do art. 5º do mesmo diploma).
De referir que o anterior regime jurídico sobre o ruído (o Dec. Lei nº 251/87 de 24 de Junho, alterado pelo Dec. Lei nº 292/89 de 2 de Setembro) tão pouco consagrava mecanismos de protecção legal aos ruídos caseiros, ou seja, aqueles que provêem normalmente das habitações (ao invés do que se sucede com o actual regime jurídico, que previu tal situação no seu art. 10º). De qualquer modo, a insonorização das habitações é alvo do competente estudo-projecto, apresentado antes da emissão da licença de construção, pelo que, à partida, o cumprimento do regime legal sobre a poluição sonora se acha assegurado. Acresce, de resto, que do texto do n.º 2 do artigo 1.º do Dec. Lei nº 292/2000, conjugado com os n.º s 2 a 4 e 10 do artigo 5º do mesmo diploma, não resulta que o licenciamento da utilização de um prédio destinado a habitação ou fracção com o mesmo fim careça de prévia certificação do cumprimento do regime jurídico instituído pelo citado diploma.
Entendo, pois, que a intenção do legislador seria impor a certificação prévia a que alude o n.º 10 do art. 5.º do Dec. Lei nº 292/2000, apenas às actividades efectivamente ruidosas ou potencialmente geradoras de ruído, como sejam os empreendimentos turísticos, as actividades industriais, bem como as de comércio (compreendendo-se aqui os estabelecimentos de restauração e bebidas) e de prestação de serviços, até porque estas duas últimas são exercidas muitas vezes em prédios ou fracções integrados em edifícios situados em zonas habitacionais, e ainda a actividade edificatória em sentido amplo - ou seja, as obras de construção civil - a qual é, pela sua própria natureza, susceptível de causar incomodidade pelo ruído que potencialmente gera.
Daqui decorre que a utilização habitacional não está dependente da apresentação prévia da certificação a que alude o citado n.º 10 do art. 5º do Dec. Lei nº 292/2000. Por sua vez, já o designado "ruído de vizinhança" encontra-se associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, conforme refere a alínea f) do n.º 3 do art. 3.º do Dec. – Lei n.º 292/2000, sendo que, quanto às situações susceptíveis de constituir tal tipo de ruídos, a protecção legal dos lesados é atribuída às autoridades policiais e não às administrativas (cfr. art. 10º).
Deste modo entendo que as câmaras municipais não deveriam exigir a apresentação prévia de certificação do cumprimento do regime jurídico sobre poluição sonora, instituído pelo Dec. Lei n.º 292/2000 de 14 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n.º 259/2002 de 23 de Novembro, para o licenciamento da utilização dos edifícios destinados a habitação, quer quando considerados isoladamente, quer quando construídos em banda contínua ou geminados, ou ainda quando integrados em edifícios constituídos em propriedade horizontal, mas apenas para os edifícios ou suas fracções onde se pretenda desenvolver actividades ruidosas pela sua própria natureza ou susceptíveis de causar incomodidade pelo ruído que potencialmente sejam geradoras, designadamente indústrias (independentemente da sua classificação), empreendimentos turísticos, estabelecimentos destinados a comércio e serviços, no que se inserem os denominados estabelecimentos de restauração e bebidas.
Etiquetas: Pedro Silveira
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