1. Introdução:

O assunto que se propõe tratar neste trabalho corresponde às relações existentes entre o direito de propriedade privada por um lado, e a REN e o jus aedificandi por outro. Trata-se de se averiguar qual o espaço que ocupa o jus aedificandi no âmbito da propriedade privada e se ele e a REN configuram restrições a este direito análogo aos direito, liberdades e garantias ou se por sua vez se trata de clarificar aquilo que já resultaria da vinculação situacional dos terrenos.
Neste sentido irei abordar o conteúdo do direito de propriedade privada no âmbito da CRP e na sociedade, passando pela análise das teses privatistas e publicistas que sempre se defrontaram quanto à questão de saber qual a natureza do jus aedificandi.
Por ultimo, farei uma incursão ao regime jurídico da REN, de modo a discutir alguns aspectos relevantes, tais como a sua constitucionalidade.


2. Direito à propriedade privada na Constituição:

O direito de propriedade privada encontra consagração no art. 62º CRP, sendo considerado um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do art. 17º da CRP, apesar da sua inserção no Título III relativo aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.
O art. 62º, n.º 1 da CRP é geralmente interpretado como consagrando uma garantia institucional e uma garantia individual. A primeira protege a propriedade como instituto jurídico, dirigindo-se ao legislador e impondo a produção de normas que visem caracterizar um direito individual e possibilitem a sua existência. Vai impedir o legislador de abolir ou eliminar o direito. A segunda protege enquanto direito fundamental, a posição jurídica patrimonial do cidadão, vinculando legislador, Administração e poder judicial
Segundo FERNADO ALVES CORREIA, o direito fundamental da propriedade privada caracteriza-se pelo reconhecimento ao seu titular de um poder de domínio que se manifesta através de um poder-ter e de um poder-utilizar, respectivamente as suas componentes estática e dinâmica. Tendo ainda a sua consagração como finalidade, tornar efectiva a garantia fundamental da liberdade pessoal (ideia que já vinha aliás da doutrina social da Igreja, nomeadamente da Encíclica “Mater et Magistra” do Papa João XXIII).
O direito de propriedade do solo é influenciado pelo ordenamento jurídico urbanístico, em especial pelos planos territoriais que possuem eficácia plurisubjectiva, como é o caso dos PMOT e os PE. É possível que o legislador faça uma definição de formas especiais de propriedade com conteúdo jurídico diferente (exemplificando a propriedade do solo varia conforme se esteja perante solos de áreas protegidas, de solo integrado na REN, de solo urbano ou de solo rural).


2.1 Conteúdo do direito de propriedade privada:

A redacção do art. 62º, n.º 1 CRP, no que à propriedade privada diz respeito, e segundo o entendimento de J.J GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, evidencia que este direito não é garantido em termos absolutos, mas antes dentro de limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da CRP.
É ao legislador que vai competir definir o conteúdo e limites do direito de propriedade privada (art. 165º, n.º 1 alíneas b) e j) CRP), contudo ele não se encontra isolado nesta tarefa, uma vez que no caso dos solos urbanos, também os planos territoriais que possuem eficácia plurisubjectiva definem as regras de ocupação, uso e transformação desses solos. Esta concepção vai evidenciar ainda a recusa de ver no direito de propriedade algo de fixo ou imutável, mas antes algo que pode ser ampliado e comprimido em função de orientações políticas, económicas e sociais.


2.2 A função social da propriedade privada:

A ideia de que o direito de propriedade privada desempenha uma função social é muito antiga, tendo-se integrado no movimento crítico à concepção absolutista deste direito. Hoje é genericamente aceite pela doutrina que o direito de propriedade, se encontra subordinado a um limite inerente à sua estrutura e que se pode designar por função, vinculação ou obrigação social.
O fundamento da obrigação social da propriedade advém da natureza social do homem, que é simultaneamente indivíduo e ser social. O direito de propriedade apesar de englobar o poder de livre decisão sobre os bens, encontra-se também limitado pelos direitos fundamentais dos outros.
A CRP não faz referência expressa a esta função social, mas deve considerar-se implícita em várias regras e princípios constitucionais, como os consagrados nos art. 61º, n.º 1 e 88º CRP. No âmbito da legislação ordinária também existem normas que concretizam esta função, nomeadamente o art. 334º CC com a figura do abuso de direito, na medida em que deve observar os limites impostos pelo “fim social ou económico desse direito”.
Esta ideia de função ou obrigação social significa que o proprietário deve dar uma utilização socialmente justa ao objecto do direito de propriedade e vai recusar um ordenamento da propriedade no qual o interesse individual tenha prevalência em face do interesse geral.
Sendo entendida como um princípio constitucional ordenador da propriedade privada, a função social vai vincular o legislador mas também introduz obrigações jurídicas para o proprietário, podendo ainda ser concretizada através de uma sentença judicial ou de um acto administrativo.
FERNANDO ALVES CORREIA demonstra que a jurisprudência e a doutrina alemãs têm vindo a defender que a propriedade do solo está sujeita a uma vinculação mais forte do que a propriedade que incide sobre os outros bens, devido à sua importância para o desenvolvimento da sociedade e para a sustentabilidade das instituições de utilidade pública. Esta corrente de pensamento defende que a lei e a Administração possam fazer restrições ou limitações às faculdades de uso ou de utilização do solo, sem que isso signifique uma obrigação de indemnizar.
Neste contexto assume particular importância o conceito de vinculação situacional, que significa que todos os terrenos são caracterizados “pela sua situação e pela sua qualidade, bem como pela sua inserção na natureza e na paisagem”. Daqui resulta que da referida situação ou qualidade dos terrenos, pelo facto de estarem localizados numa específica área, pode advir uma obrigação para o proprietário de não realização ou de renúncia a certas utilizações que em situações normais seriam admitidas, como é o caso da edificação.
No âmbito do nosso ordenamento jurídico o conceito de vinculação situacional tem relevância quando é encarado como critério justificativo das intervenções legislativas ou administrativas que limitam ou restringem as faculdades de utilização do solo e que não dão lugar a uma indemnização, por não configurarem uma dimensão expropriativa (são os casos dos terrenos classificados como áreas protegidas ou integrados na RAN ou na REN).


3. O conteúdo urbanístico da propriedade (em particular o jus aedificandi):

O conteúdo urbanístico do direito de propriedade é uma vexata quaestio que suscita hoje e sempre várias atenções. A natureza jurídica do jus aedificandi tem sido ao longo dos últimos anos, objecto de uma controvérsia polarizada entre dois entendimentos: a tese privatista de acordo com a qual o jus aedificandi seria uma faculdade inerente ao direito de propriedade privada e a tese publicista segundo a qual o jus aedificandi seria antes um direito autónomo, concedido pela autoridade pública através de acto jurídico.


3.1 Tese privatista – jus aedificandi como uma faculdade inerente à propriedade:

Vários são os argumentos apontados pela doutrina que alicerçam esta concepção, sendo que os seus autores argumentam basicamente com o auxílio das normas do Código Civil.

Um primeiro argumento recorre aos art. 1305º e 1344º CC. O primeiro dos artigos referidos define o conteúdo do direito de propriedade, sendo que para alguns autores este preceito leva a supor que o CC inclui os jus aedificandi no direito de uso, que faz parte integrante do direito de propriedade ainda que com respeito pelos limites da lei e pelas restrições por ela impostas. Contudo, para OLIVEIRA ASCENSÃO, a faculdade de construção enquadra-se no poder de transformar a coisa, que decorre da faculdade de disposição em sentido material.
O art. 1344º, por sua vez, seria mais claro no sentido da linha de pensamento que agora se expõe. Isto porque a inclusão do espaço aéreo e do subsolo no conteúdo do direito de propriedade fundiária significaria que o proprietário teria um direito de edificação, tanto em altura como em profundidade.
FREITAS DO AMARAL acresce àquelas disposições, as contidas nos artigos 1524º, 1525º e 1535 CC, relativos ao direito de superfície. Constata que se o proprietário do solo pode ceder a outrem o direito de construir sobre o seu próprio terreno, é porque, como proprietário dispõe desse direito. O proprietário seria titular do direito de construir, mesmo antes de qualquer plano urbanístico o regular. Por seu turno OLIVEIRA ASCENSÃO, defende que o “direito de construir é um atributo natural da propriedade imóvel”.
Contudo, FERNANDO ALVES CORREIA, não concorda com esta visão por entender que ela fornece uma dimensão distorcida da realidade jurídico urbanística, isto se se atender ao facto de que o particular não possui a faculdade de decidir se pode construir e como pode construir na sua propriedade. Entende que se torna difícil de conciliar com a definição pelos planos urbanísticos dos tipos e intensidades de utilização do solo. Atendendo à lógica do ordenamento urbanístico, conclui que o particular só pode ceder a outrem o direito de construir no seu terreno, se as normas jurídico urbanísticas (os planos) antes lho tivessem atribuído.
Um segundo argumento vem defender que é apenas o proprietário que está legitimado a construir ou a permitir que outros construam, seria o único legitimado a ser titular do jus aedificandi. Por sua vez, FERNANDO ALVES CORREIA, critica esta argumentação dizendo que também titulares de outros direitos reais, como é o caso do titular de um direito de superfície, têm legitimidade para construir.

Como terceiro argumento vem a tese privatista invocar que em caso de expropriação, o jus aedificandi deve ser considerado para efeitos de indemnização. Novamente FERNADO ALVES CORREIA vem contrapor que o Tribunal Constitucional, quando preceitua que a possibilidade edificatória não pode deixar de ser considerada como um factor de potenciação valorativa do solo, exige também que essa aptidão edificativa seja certa e exista em termos concretos e objectivos e ainda que caso tal não aconteça, não pode a mesma ser incluída na indemnização por expropriação (art. 25º, n.º2 do Código das Expropriações).

Por último vêm ainda invocar os princípios do deferimento tácito e da taxatividade dos fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento ou de autorização. FERNANDO ALVES CORREIA sustenta quanto a este ponto, que devido ao facto de o acto tácito de deferimento ser cominado com a sanção de nulidade quando viola disposições dos planos urbanísticos, isso só pode querer dizer que o papel decisivo é desempenhado pelo plano urbanístico. Defende ainda que a principio da taxatividade deve ser entendido não como retirando margem de discricionariedade aos órgãos competentes, mas antes no sentido de que lhes é vedado rejeitar um pedido por fundamentos diversos.


3.2 Tese publicista – jus aedificandi como faculdade concedida pela autoridade pública:

Na tese publicista os autores, para fundamentar a sua argumentação, recorrem sobretudo às normas do Direito Administrativo que regulam especificamente o jus aedificandi, maxime as normas que regulam o planeamento urbanístico.

O primeiro argumento utilizado tem a ver com uma adequação do direito à realidade, pois muitos proprietários vêm-lhes negada a possibilidade de construção.

O segundo argumento refere a planificação integral como decorrente da obrigação imposta aos municípios de elaborarem e aprovarem PDM.

Outra linha de argumentação invoca o princípio da reserva do plano, que significa que só se pode construir num terreno quando o plano lhe atribui vocação edificativa ou o classificar e qualificar como solo urbano e além disso o projecto de edificação não contrariar as disposições daquele.

Por último invocam ainda os mecanismos de garantia do princípio da igualdade em face das medidas dos planos dotados de eficácia plurisubjectiva. Um sistema jurídico que se desenvolva com base na premissa de que o jus aedificandi é uma faculdade atribuída pelo plano urbanístico apresenta-se, mais sensível à correcção das desigualdades, pois coloca o problema do princípio da igualdade em face das medidas do plano, sob a perspectiva do princípio do tratamento igual dos particulares pela Administração. Demonstram também que a tese publicista é a que melhor se adequa ao princípio da perequação dos benefícios e encargos decorrentes dos instrumentos de gestão territorial.


4. Jurisprudência:
4.1 Jurisprudência do Tribunal Constitucional:


O Tribunal Constitucional qualifica o direito de propriedade como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, e goza, consequentemente (art. 17º da CRP) do respectivo regime naquilo que nele se reveste essa natureza análoga.
No seu Acórdão n.º 341/86, de 10 de Dezembro de 1986, afirmou que “no direito de propriedade constitucionalmente consagrado contém-se o poder de gozo do bem objecto do direito, sendo certo que não se tutela ali expressamente um jus aedificandi directamente na garantia constitucional do direito de propriedade privada”.
Mais tarde retomou a doutrina lançada em Portugal por FERNANDO ALVES CORREIA, neste sentido podemos mencionar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 329/99, de 2 de Junho de 1999, em que se entendeu “que o jus aedificandi não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública, decorrente do ordenamento jurídico-urbanístico, designadamente dos planos”.
O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 194/99, de 23 de Março de 1999, considerou que “o direito de propriedade não é consagrado constitucionalmente como um direito sem limites imanentes derivados da sua função social”. (…) O exercício do direito de propriedade, nomeadamente da faculdade de edificar, deve harmonizar-se com as referidas exigências do ordenamento territorial e protecção ambiental”.
Se o jus aedificandi não integra o conteúdo essencial do direito de propriedade, o que é que, segundo o Tribunal Constitucional integra esse mesmo conteúdo? “Seguramente faz parte [dessa dimensão] o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública” (Ac. TC n.º 329/99, de 2 de Junho de 1999).
Devemos mencionar uma inflexão da jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido da tese “privatística”, na medida em que já considerou que o jus aedificandi pode integrar o núcleo essencial do direito à propriedade fundiária, “porventura, quando esteja em causa a salvaguarda do direito de habitação própria”, já que entende que este último direito é essencial “à realização do homem como pessoa” (Ac. TC n.º 329/99, de 2 de Junho de 1999). Qual o verdadeiro alcance desta inflexão jurisprudencial? Na ausência de uma justificação expressa podemos especular se o jus aedificandi abrange o núcleo essencial do direito de propriedade quando está em causa a realização essencial do homem como pessoa e se o direito à habitação própria, foi considerado como susceptível de pôr em causa a realização essencial do homem como pessoa, estando em questão esse direito o jus aedificandi já poderá “porventura” integrar o núcleo essencial do direito de propriedade. Será que existem outros direitos constitucionalmente garantidos essenciais para a realização do homem como pessoa humana, e também, susceptíveis de aumentar o âmbito do jus aedificandi enquanto núcleo essencial do direito à propriedade?


4.2 Jurisprudência dos Tribunais Administrativos:

Tem vindo a seguir a jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual o jus aedificandi não integra o direito de propriedade.
Genericamente, sobre o direito de propriedade:
- Ac. STA., de 8 de Outubro de 1997, Proc. N.º 40013: “o direito de propriedade, como todos os direitos fundamentais, não são absolutos nem ilimitados, sofrem constrições ou limitações legais resultantes quer dos seus limites imanentes, quer da colisão com outros direitos, quer ainda de leis restritivas”;
- Ac. STA., de 8 de Outubro de 1998, Proc. N.º 34722: “O direito de propriedade, embora tenha natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 62º da CRP contudo, não é um direito subjectivo de propriedade, entendido este como poder directo, imediato e exclusivo sobre coisas ou bens concretos e determinados, pelo que tal direito, como de resto todos os direitos fundamentais, não é absoluto nem ilimitado, sofrendo restrições resultantes quer dos seus limites imanentes, quer da colisão com outros direitos, quer ainda de leis restritivas”;
- Ac. STA., de 1 de Março de 2000, Proc. N.º 43993: “O direito à propriedade tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos do artigo 62.º da Constituição, enquanto entendido como direito À propriedade, e não como direito subjectivo incidente sobre bens determinados”;

Sobre as relações entre jus aedificandi e direito de propriedade:
- Ac. STA.; de 5 de Março de 1991, Proc. N.º 27573: “O jus aedificandi urbano deixou de ser uma faculdade livre de proprietário para se converter numa determinação pública realizada pelo Plano Urbanístico”;
- Ac. STA.; de 4 de Junho de 1997, Proc. N.º 29753: “jus aedificandi não integra o núcleo essencial do direito de propriedade, sendo outrossim uma faculdade legal nos termos em que a lei o dispuser”;
- Ac. 30 de Setembro de 1997, Proc. N.º 35751: “No direito de propriedade consagrado no artigo 62.º n.º 1 da CRP, contêm-se poderes de gozo e usufruição do bem objecto desse direito , mas não se tutela aí, o jus aedificandi, ou seja o direito de construção ou edificação. Inexiste o direito fundamental análogo de construir tudo quanto o proprietário quiser onde, como e quiser. Existindo um instrumento planeamento, é este que define esses poderes (…)”;
- Ac. STA., de 4 de Junho de 1998, Proc. N.º 35820: “o jus aedificandi tem natureza pública e não é abrangido pela tutela subjectiva do direito de propriedade privada;
- Ac. STA., de 18 de Fevereiro de 1999, Proc. N.º 35338: “O Decreto-Lei n.º 176-A/88, de 18 de Maio, não é orgânica ou formalmente inconstitucional, pois que não necessitava de credencial parlamentar. Não interfere com a substância do direito de propriedade, tal como se acha constitucionalmente consagrado, uma vez que o jus aedificandi não integra aquele;
- Ac. STA., de 13 de Janeiro de 2000, Proc. N.º 44287: “o jus aedificandi não se apresenta à luz do texto constitucional, em especial do artigo 62.º, como parte integrante do direito fundamental de propriedade privada a faculdade de construir é de configurar como uma concessão jurídico-pública, resultante, regra geral, dos planos urbanísticos. Trata-se, assim, no jus aedificandi de um direito de natureza jurídico-pública não se consubstanciando em faculdade ínsita no conteúdo prévio e substancial do direito fundamental e de propriedade privada.


5. Reserve Ecológica Nacional (REN)

A REN é regulada pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março. Ela havia sido criada pelo Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho, com a finalidade de possibilitar a exploração dos recursos e a utilização do solo com salvaguarda de determinadas funções e potencialidades, de que se destaca o equilíbrio ecológico e a estrutura biofísica das regiões.
Surge no art.27º, alínea d) da Lei de Bases do Ambiente, como instrumento da política de ambiente. Segundo RODRIGO SEMEÃO VERSOS, a REN caracteriza-se como o conjunto de parcelas ou áreas do território nacional, devida e previamente delimitadas, afectas a um fim de interesse público específico a que corresponde um regime jurídico comum. Contudo, este aproximação conceptual, tal como reconhece o autor, em nada diferencia a REN de outras áreas de afectação especifica como por exemplo as áreas protegidas ou a RAN, sendo necessário fazer uma outra aproximação, tendo em conta o que se consagra no diploma que a rege.
De acordo com o art. 1º do DL N.º 93/90 a REN define-se como uma “estrutura biofísica básica e diversificada que, através de condicionamentos à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a protecção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades humanas”.Desta feita RODRIGO SEMEÃO VERSOS refere que a “REN parece enunciar-se como uma criação jurídico ambiental, que visa integrar, sob o mesmo regime jurídico, áreas que pelas suas características específicas, onde devem estar condicionadas as intervenções humanas, de forma a garantir e perpetuar os recursos naturais nelas existentes”.
A REN constitui uma forma de planificação ambiental, enquanto fórmula juridicamente estruturada, de protecção e defesa do bem jurídico ambiente. Segundo RODRIGO SEMEÃO VERSOS é “uma elaboração jurídica, geral e abstracta, tendente a ordenar a preservação, defesa e protecção do bem jurídico ambiente, através da imposição de condicionamentos às actividades realizadas por entidades públicas e privadas em determinada e específica parcela do território”.
Desta forma, a REN compreende uma dupla natureza jurídica, constituindo um instrumento jurídico de restrição ao uso do solo e um meio através do qual se procede a um ordenamento ambiental.


5.1. Regime jurídico da REN:

Disciplinada pelo DL n.º 93/90, consagra algumas particularidades de regime que cumpre analisar.
A integração e a exclusão de áreas da REN competem ao Governo, por meio de resolução do Conselho de Ministros e ouvida a Comissão Nacional da REN (artigos 3º, n.º1. 8º e 9º do DL n.º 93/90) Contudo, esta questão suscitou dúvidas quanto à inconstitucionalidade do regime, resolvidas pelo Tribunal Constitucional no âmbito do Acórdão 544/2001.
As áreas integradas na REN, têm de ser demarcadas em todos os instrumentos de gestão territorial (art 14º DL 380/99).
Nas áreas incluídas na REN são proibidas as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção e ou ampliação, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal. (art.4º, n.º1 DL 93/90). No fundo, são proibidas todas as obras urbanísticas que destruam ou danifiquem o seu valor ecológico.
De acordo com RODRIGO SEMEÃO VERSOS que apela a uma interpretação lógica (racional e sistemática) da norma em análise, “parece ser legítimo afirmar que, apesar de não o ter feito expressamente, foi intenção do legislador alargar o âmbito da norma, a todas as acções que se traduzam em aterros, escavações ou destruições do coberto vegetal, quer tenham relevância urbanística, quer em consequência do exercício de actividades de natureza agrícola, pecuária ou florestal”.
Antes das alterações feitas pelo DL N.º 18072006, de 6 de Setembro, a doutrina fazia fortes críticas à disciplina jurídica da REN, uma vez que ela funcionava somente pela negativa, particularmente preocupado com a proibição de actividades urbanísticas, em vez de conter uma regulamentação pela positiva. Desta forma tinha-se potenciado um abandono crescente de solos que, pela sua natureza, eram especialmente adequados à prossecução de fins de interesse público. Criticavam ainda que, em muitas situações, a concreta delimitação daquelas áreas não se encontrava nem correctamente efectuada, nem suficientemente fundamentada, sendo que se verificava a promoção de desafectações de solos destas reservas não só por se pretender a sua afectação a outras finalidades, mas também por estes carecerem de requisitos essenciais para a sua consideração como integrando estes regimes de salvaguarda. Desta forma, propôs-se uma reforma do regime jurídico da REN, dele passando a constar não só os usos que não podem ser realizados, mas ainda as utilizações que se consideram compatíveis coma respectiva salvaguarda e desejáveis de acordo com os fins estabelecidos.

Contudo, o regime da REN não estabelece uma absoluta proibição de actividades humanas. Existe um conjunto de acções que se consideram insusceptíveis de prejudicar o equilíbrio ecológico das mesmas (identificadas no anexo IV, observados os requisitos descritos no anexo V e sujeitas conforme as situações ou a autorização da comissão de coordenação e desenvolvimento regional competente ou a comunicação prévia ao mesmo organismo desconcentrado do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional). Salvaguardam-se as acções e obras que tenham sido objecto de acto autorizativo emitido em data anterior ao da entrada em vigor da resolução do Conselho de Ministros que procede à delimitação das áreas incluídas na REN.

Encontramos ainda no regime da REN, um conjunto de normas respeitantes à fiscalização do cumprimento do respectivo regime. Assim, nos art. 12º e 13º estão configurados os ilícitos de mera ordenação social. No art. 14º o embargo e demolição das obras realizadas em violação do diploma, bem como a reposição dos terrenos na situação anterior à infracção. Por sua vez, o art. 15º sanciona com a nulidade os actos administrativos que licenciem a realização das obras que destruam ou danifiquem o valor das áreas integrantes na REN, podendo ser geradora de responsabilidade civil das entidades que procedam a tal licenciamento, pela nulidade do respectivo acto (art. 16º).

5.2 Dúvidas quanto à constitucionalidade do regime da REN:

A questão da constitucionalidade foi suscitada tendo em conta o facto de ser o Governo o órgão competente para a integração e exclusão de áreas da REN, através de resolução do Conselho de Ministros. Entendia-se que haveria uma inconstitucionalidade material e orgânica, por violação da competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias, devido a uma suposta supressão do jus aedificandi, entendido pela tese privatista como sendo uma faculdade integrante ou inerente ao direito de propriedade privada.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da constitucionalidade, cumprindo agora a análise dos seus fundamentos. (ac.544/2001)
No que à inconstitucionalidade material diz respeito, o TC entendeu que não havia violação do art. 62º CRP porque o jus aedificandi não era uma faculdade inerente à propriedade privada. Haveria isso sim, um conflito entre direito de propriedade privada e ordenamento do território, a qual se resolveria com recurso ao art. 18º CRP.
Já quanto à inconstitucionalidade orgânica defendeu o TC que a restrição do jus aedificandi não integraria a reserva da AR, por não ser esta faculdade essencial à realização do homem como pessoa. De qualquer forma o Governo também não necessitava de uma autorização legislativa para actuar estabelecendo o regime da REN, uma vez que no art. 37, n.º1 da Lei de Bases do Ambiente se dispõe que “a adopção das medidas adequadas à aplicação dos instrumentos previstos na presente lei” compete ao Governo


6. Conclusão:

De tudo quanto ficou dito parece que a REN consubstancia uma restrição à utilização do solo por parte de quem, em virtude de um facto a que o direito faz corresponder determinada consequência jurídica, assume a posição de proprietário.
A REN acarretaria a amputação dos direitos do seu legítimo proprietário, relativamente àquela que seria a sua normal amplitude. Em causa estariam restrições ao jus aedificandi inerente ao solo e à possibilidade da sua utilização para fins económicos. Ela assume a natureza de instrumento jurídico de restrição do uso dos solos, quer sobre eles recaiam ou não direito de propriedade privada, em razão do princípio da vinculação situacional a que certas parcelas do solo estão sujeitas.
Contudo, podemos dizer que a REN apenas vem dar aos terrenos o destino que sempre tiveram em consequência da sua vinculação situacional e que portanto assim, não acarretaria uma indemnização, por não se estar a proceder a nenhum tipo de expropriação.
No que diz respeito ao jus aedificandi apoio a tese publicista que defende que esta faculdade é atribuída por uma autoridade pública, até porque na sequência dos argumentos referidos em defesa desta tese, julgo que desta forma se ressalva melhor o tratamento igual dos particulares e permite também que se desenvolva plenamente a função social atribuída à propriedade privada.


Bibliografia:

− AMARAL, Diogo Freitas do; “Apreciação da dissertação de doutoramento do licenciado Fernando Alves Correia : o plano urbanístico e o princípio da igualdade “ in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lisboa; vol. 32; 1991
− ASCENSÃO, José de Oliveira; “O Urbanismo e o Direito de Propriedade” in Direito do Urbanismo; coord. AMARAL, Freitas do; Lisboa; 1989
− CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital; “Constituição da República portuguesa: anotada”; Coimbra Editora, 2007
− CORREIA, Fernando Alves; “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”; Almedina; 1989
− CORREIA, Fernando Alves; “Regime urbanístico da propriedade do solo” in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa; Coimbra, 2003
− CORREIA, Fernando Alves; “Manual de direito do urbanismo”; Coimbra; Almedina; 2006
− GOMES, Manuel António da Silva; “Jus aedificandi e direito de propriedade fundiária”; Relatório de mestrado para a cadeira de Direito Administrativo apresentado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Orientador: Prof. Doutor Paulo Otero; Lisboa; 2000
− MELO, António Barbosa de/ OLIVEIRA, Fernanda Paula/ LOPES, Dulce/ MENDES, Joana; “Direito do Urbanismo e Autarquias Locais”; CEDOUA/FDUC/IGAT; Coimbra; Almedina; 2006
− NOVAIS, António Jorge Pina dos Reis; “Ainda sobre o jus aedificandi (... mas agora como problema de direitos fundamentais”) in Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria; Lisboa; Almedina; 2006
− OLIVEIRA, Mário Esteves de; “O direito de propriedade e o jus aedificandi no Direito Português” in RJUA, n.º3; 1995
− VERSOS, Rodrigo Simeão; “Os actos administrativos nulos no âmbito do regime jurídico da reserva ecológica nacional”; Relatório de mestrado para a cadeira Direito Administrativo do Ambiente apresentado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Orientador: Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva; Lisboa; 2000
− Ac. STA de 1/2/2001, P. 46 825 in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 43 com anotação de OLIVEIRA, Fernanda Paula; e n.º 44 com anotação de GALVÃO, Sofia de Sequeira

Ana Isabel Alves, subt 12 n.º14613

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