A rede nacional de áreas protegidas tem o seu regime definido no Decreto-Lei nº19/93 de 23 de Janeiro (alterado pelo DL nº151/95 de 24 de Janeiro, DL nº 213/97 de 16 de Agosto, DL 227/98 de 17 de Julho, DL nº221/2002 de 22 de Outubro e DL nº117/2005 de 18 de Julho), diploma que foi aprovado no desenvolvimento do regime jurídico constante do art.29º da lei de Bases do Ambiente e que revogou o DL nº613/76 que continha o estatuto jurídico das áreas classificadas.
De acordo com o art.1º do DL nº19/93, devem ser classificadas como áreas protegidas as áreas terrestres, e também as águas interiores e marítimas, em que a fauna, a flora, as paisagens, os ecossistemas e outras ocorrências naturais apresentem, pela sua raridade, valor ecológico ou paisagístico, importância cientifica, cultural e social, uma relevância especial que exija medidas de conservação e gestão, em ordem a promover a gestão racional dos recursos naturais e valorização do património natural e construído, regulamentando as intervenções artificiais susceptíveis de as degradar. A classificação de áreas protegidas pode abranger o domínio público e o domínio privado do Estado (bem como a zona económica exclusiva) e, em geral, quaisquer bens imóveis.
Com o objectivo de desenvolver o regime jurídico constante do art.29º nº2 da Lei de Bases do Ambiente e dar cumprimento às incumbências constitucionais referidas no art.9º alínea e) e art.66º nº2 alínea b) e c) da Constituição, o art.2º do DL nº19/93 distingue áreas protegidas de interesse nacional (parque nacional, reserva natural, parque natural e monumento natural), de interesse regional ou local (paisagem protegida) e de estatuto privado (“sitio de interesse biológico”).
As áreas protegidas de interesse nacional são geridas pelo Instituto de Conservação da Natureza, enquanto as áreas protegidas de interesse regional ou local são geridas pelas respectivas autarquias locais ou associações de municípios.
O ICN pode, no entanto, cometer a gestão de uma área protegida de âmbito nacional às comissões de coordenação e desenvolvimento regional.
O art.5º a 10º do DL nº19/93 contêm a definição de cada uma daquelas modalidades de áreas protegidas e a indicação dos objectivos e efeitos da respectiva classificação, sendo que para além destes tipos estabelecidos nestes artigos, existem ainda as reservas marinhas e os parques marinhos, que são áreas protegidas que abrangem o meio marinho. O art.11º refere que nas áreas protegidas podem ainda ser demarcadas zonas de protecção integral, denominadas “reservas integrais”, cuja demarcação tem como consequência a sujeição da respectiva área a expropriação por utilidade pública. As reservas integrais são espaços que têm por objectivos a manutenção dos processos naturais em estado imperturbável e a preservação de exemplos ecologicamente representativos num estado dinâmico e evolutivo e em que a presença humana só é admitida por razões de investigação científica ou monitorização ambiental.
Parque Nacional é uma área que contenha um ou vários ecossistemas inalterados ou pouco alterados pela intervenção humana, integrando amostras representativas de regiões naturais características, de paisagens naturais e humanizadas, de espécies vegetais e animais, de locais geomorfológicos ou de habitats de espécies com interesse ecológico, científico e educacional. De acordo com o disposto no art.5º nº2 a classificação de um parque nacional tem por efeito possibilitar a adopção de medidas que permitam a protecção da integridade ecológica dos ecossistemas e que evitem a exploração ou ocupação intensiva dos recursos naturais. O exemplo do Parque Nacional da Peneda-Gerês é paradigmático.
Reserva Natural é uma área destinada à protecção de habitats da flora e da fauna. Nos termos do art.6º nº2 a classificação de uma reserva natural tem por efeito possibilitar a adopção de medidas que permitam assegurar as condições necessárias à estabilidade ou sobrevivência de espécies, grupos de espécies, comunidades bióticas ou aspectos físicos do ambiente, quando estes requerem a intervenção humana para a sua perpetuação. Um exemplo de reserva natural é a Reserva Natural do Estuário do Tejo.
Parque Natural é uma área que se caracteriza por conter paisagens naturais, seminaturais e humanizadas, de interesse nacional, sendo exemplo da integração harmoniosa da actividade humana e da natureza e que apresenta amostras de um bioma ou região natural. O art.7º nº2 refere que um parque natural tem por efeito possibilitar a adopção de medidas que permitam a manutenção e valorização das características das paisagens naturais e seminaturais e a diversidade ecológica. São muitos os exemplos de áreas classificadas como parque natural.
Monumento Natural é uma ocorrência natural, contendo um ou mais aspectos que, pela sua singularidade, raridade ou representatividade em termos ecológicos, estéticos, científicos e culturais, exigem a sua conservação e a manutenção da sua integridade. Um exemplo de monumento natural é o Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Carenque.
Paisagem Protegida é uma área com paisagens naturais, seminaturais e humanizadas, de interesse regional ou local, resultantes da interacção harmoniosa do homem e da natureza que evidencia grande valor estético ou natural. O art.9 nº 2 determina que a classificação de uma paisagem protegida tem por efeito possibilitar a adopção de medidas que, a nível regional ou local, permitam a manutenção e valorização das características das paisagens naturais e seminaturais e a diversidade ecológica.
Sítio de Interesse Biológico é uma área protegida de estatuto privado, que pode ser classificada a requerimento dos proprietários interessados, com o objectivo de proteger espécies da fauna e da flora selvagem e respectivos habitats naturais com interesse ecológico ou científico.
A classificação de áreas protegidas de interesse nacional é feita por decreto regulamentar, o qual indica, a par de outros elementos, o tipo e delimitação geográfica da área e seus objectivos específicos e os actos e actividades condicionados ou proibidos, sendo aquele acto obrigatoriamente precedido de inquérito público, com vista à recolha de observações e sugestões dos interessados sobre a classificação da área protegida, e audição das autarquias locais e dos ministérios competentes. O decreto regulamentar de classificação de uma área protegida pode fixar condicionamentos ao uso, ocupação e transformação do solo, bem como interditar, ou condicionar a autorização dos respectivos órgãos directivos no interior da área protegida, as acções e actividades susceptíveis de prejudicar o desenvolvimento natural da fauna ou da flora ou as características da área protegida (art.13º do DL nº19/93).
De acordo com o art.14º nº2 e 15º nº1, o prazo de elaboração do plano de ordenamento é fixado no decreto regulamentar de classificação, sob pena de caducidade do acto de classificação que é elaborado pelo ICN e que passará a constituir o documento condensador das regras jurídicas aplicáveis à área protegida, revogando as disposições relativas a actos e actividades proibidos ou condicionados previstos no decreto regulamentar de classificação.
Nos termos do art.26º e 27º, a classificação de áreas de paisagem protegida é feita também por decreto regulamentar, sob proposta das autarquias locais e associações de municípios, a qual deve ser dirigida ao ICN, acompanhada dos elementos referidos no art.26º nº2. A área de paisagem protegida dispõe também obrigatoriamente de um plano de ordenamento nos termos do art.28º nº1 e 3.
A classificação do sítio de interesse biológico é realizada também por decreto regulamentar que fixa a delimitação geográfica das áreas e as obrigações dos proprietários. Esta classificação é realizada a requerimento dos proprietários interessados (art.10º,art.30º e art.31º).
Os planos de ordenamento de áreas protegidas são uma das modalidades dos planos especiais de ordenamento do território. O regime especial de ocupação, uso e transformação do solo constante do decreto regulamentar de classificação de uma área protegida deve ser respeitado pelos planos territoriais, designadamente pelos planos municipais de ordenamento do território. O mesmo vale para o regime específico da área protegida constante do respectivo plano especial de ordenamento do território.
Quanto às estruturas orgânicas das áreas protegidas, o parque nacional, a reserva natural e o parque natural dispõem de uma comissão directiva e de um conselho consultivo cuja composição e competência são definidas nos artigos 17º a 20º do DL nº 19/93.
Diferentemente, os monumentos naturais são directamente administrados pelo ICN.
As áreas de paisagem protegida têm o seu órgão ou órgãos de gestão estabelecidos no decreto regulamentar de classificação (art.27º nº2 alínea c)).
De acordo com o art.31º do DL nº 19/93, os Sítios de interesse biológico dispõem de um responsável técnico nomeado pelos respectivos proprietários, mediante parecer favorável do ICN mas, no que respeita à sua gestão, o proprietário não detém quaisquer direitos especiais de autoridade.
Os artigos 21º a 25º do DL nº19/93, estabelecem disposições relativas às autoridades com competência de fiscalização do cumprimento do regime especial de ocupação, uso e transformação das áreas protegidas, sobre a tipificação como ilícitos de mera ordenação social e sobre a punição como contra-ordenações dos actos e actividades interditos ou condicionados realizados nas áreas protegidas e sobre a ordem de reposição da situação anterior à infracção das normas respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo classificado como área protegida.
Direito de Indemnização?
Uma questão interessante é a de saber se os proprietários dos espaços que são alvo de proibições, restrições e condicionamentos ao uso, ocupação e transformação do solo constantes do decreto regulamentar de classificação como área protegida (e que posteriormente são integrados no plano de ordenamento da área protegida), têm, por via de regra, um direito de indemnização, sendo esta uma questão que também se poderá colocar em relação às restrições ou limitações às faculdades de uso ou de utilização dos solos resultantes da integração de uma área na RAN ou na REN (solos esses que são considerados, em consequência do seu regime jurídico particular, como “bens privados de interesse público”). A resposta é negativa. Como diz FERNANDO ALVES CORREIA as proibições (designadamente a proibição de construção), restrições ou condicionamentos à utilização dos bens considerados necessários à conservação das suas características físicas (e também do seu destino económico) são, em geral, como salienta a doutrina e a jurisprudência germânicas, uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre os solos incluídos nas áreas protegidas, isto é, um simples produto da especial situação factual destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas.
No entanto, em situações excepcionais, o acto de classificação de uma zona como área protegida pode implicar a atribuição de uma indemnização a algum ou alguns proprietários. Isso acontecerá quando do acto de classificação resultar uma proibição ou uma grave restrição à utilização que o proprietário vinha habitualmente efectivando no seu terreno, como por exemplo, o exercício de uma actividade agrícola, para a qual a área em causa tinha especiais aptidões.
As dúvidas sobre a garantia do direito de indemnização só se colocam nas hipóteses em que as áreas classificadas como áreas protegidas continuam nas mãos dos proprietários privados, ou seja, das situações em que por efeito do acto de classificação se assiste a uma expropriação de sacrifício, não existindo qualquer dúvida quanto á existência do direito de indemnização nas situações em que existe uma expropriação em sentido próprio, com a consequente transferência do direito de propriedade para o Estado. Esta última situação sucede na demarcação das áreas protegidas de zonas de protecção integral, as denominadas “reservas integrais” (art.11º nº2 do DL nº 19/93), da qual resulta a sujeição das áreas em causa a expropriação nos termos da lei (art.11º nº3 do DL nº19/93).
Daniel Almeida nº14687
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