Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional

A Reserva Ecológica Nacional (REN) é um instrumento de ordenamento do território e protecção ambiental criado na década de oitenta com o objectivo principal de salvaguardar áreas importantes em termos ecológicos, de protecção dos recursos hídricos e dos solos, e como forma de redução de um conjunto de riscos nomeadamente de erosão, deslizamento de terras e cheias.
Ao longo dos últimos anos esta legislação tem permitido salvaguardar grande parte da paisagem natural do país, principalmente encostas com declive acentuado, a recarga de aquíferos essenciais para o abastecimento público e muitos locais que asseguram objectivos de conservação da natureza. À escala nacional, só não temos um país completamente preenchido com construção dispersa com as inerentes implicações em termos de ordenamento porque existe este instrumento inovador e precursor, pensado pelo Arquitecto Ribeiro Telles.
A reserva Ecológica Nacional é disciplinada pelo Decreto-lei nº 93/90 de 19 de Março (alterado, sucessivamente, pelo DL nº 316/90 de 13 de Outubro, DL nº 213/92 de 12 de Outubro, DL nº 79/95 de 20 de Abril, DL nº 203/2002 de 1 de Outubro e DL nº180/2006 de 6 de Setembro).
De acordo com o art.1º do DL nº93/90, a REN constitui uma estrutura biofísica básica e diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a protecção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades humanas.
Com o regime jurídico da REN, aprovado no seguimento do disposto no art.27º da Lei de Bases do Ambiente, pretende-se “salvaguardar, de uma vez, os valores ecológicos e o homem, não só na sua integridade física, como no fecundo enquadramento da sua actividade económica, social e cultural, conforme é realçado na Carta Europeia do ordenamento do território”.
De acordo com o art.3º nº1, art.8º e art.9º do DL 93/90, a integração e a exclusão de áreas da REN compete ao Governo por meio de Resolução do Conselho de Ministros, ouvida a Comissão Nacional da REN. As propostas de delimitação são elaboradas pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), com base em estudos próprios ou que lhes sejam apresentados por outras entidades públicas e privadas, e ponderada a necessidade de exclusão de áreas legalmente construídas ou de construção já autorizada, bem como das destinadas à satisfação das carências existentes em termos de habitação, equipamentos ou infra-estruturas (art.3º nº2 do DL nº93/90). Um Acórdão do STA de 30 de Janeiro de 2003 decidiu que a resolução do Conselho de Ministros que delimita as áreas da REN era um acto normativo que se insere na competência regulamentar do Governo, e que, em consequência, o recurso contencioso daquela resolução deveria ser rejeitado, por não ter por objecto um acto administrativo. Esta posição deixa no entanto de ter sentido depois da reforma de 2004 do CPTA.
Nas áreas incluídas na REN (referidas no anexo I e definidas no anexo III do DL nº 93/90), de acordo com o art.4º nº1 do DL 93/90, são, em geral, proibidas quaisquer obras urbanísticas que destruam ou danifiquem o seu valor ecológico, nomeadamente, as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção e ou ampliação obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal.
Uma das críticas apontadas pela doutrina ao regime jurídico da REN antes das alterações operadas pelo DL nº180/2006 de 6 de Setembro, era a afirmação de que a disciplina jurídica da REN funcionava pela negativa, definindo apenas aquilo que nos solos nela integrados não se podia fazer, em vez de conter uma regulamentação positiva, através da indicação das utilizações que eram possíveis e até desejáveis, tendo em conta os valores fundamentais a proteger. A mesma doutrina dizia ainda que este tipo de regime jurídico, ao contrário do que era pretendido, tinha potenciado um abandono crescente dos solos integrados na REN, que, pela sua natureza, são especialmente adequados à prossecução de fins de interesse público. Assim, esta doutrina propôs uma reforma do regime jurídico da REN no sentido deste garantir que se procedesse à ocupação dos solos nela integrados pela via positiva e não apenas negativamente, dele passando a constar também as utilizações que se consideram compatíveis com a respectiva salvaguarda e desejáveis de acordo com os fins estabelecidos, dando preferência a soluções que não impliquem um abandono dos solos.
A reforma do regime da REN acolheu a sugestão e o exórdio do DL nº180/2006 sublinha que “desde já, é urgente consagrar a possibilidade de viabilizar usos e acções que, por reconhecidamente não porem em causa a permanência dos recursos, valores e processos ecológicos que a Reserva Ecológica Nacional pretende preservar, se justificam plenamente para a manutenção e viabilização de actividades que podem e devem existir nessas áreas”, adiantando que é “importante identificar de imediato um conjunto de usos e acções que podem ser admitidos, dado que não prejudicam o equilíbrio ecológico das áreas afectas à Reserva Ecológica Nacional, definindo-se, para cada caso, as regras para a sua realização”. No preâmbulo do DL nº 180/2006 é diz-se que “ a manutenção e a viabilização dos usos e acções referidos nos anexos ao presente diploma dependem sempre da sua conformidade ou compatibilidade, consoante os casos, com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis, o que significa que cabe aos municípios, no âmbito do planeamento municipal, uma responsabilidade importante na definição das acções insusceptíveis de prejudicar o equilíbrio ecológico” das áreas integradas na Reserva Ecológica Nacional.
Deste modo, o DL nº 180/2006 acrescentou acções excepcionadas para além das que já estavam previstas no regime anterior, possibilitando a realização em áreas integradas na REN de um naipe de acções insusceptíveis de prejudicar o equilíbrio ecológico das mesmas, e que são identificadas no seu Anexo IV, observados os requisitos descritos no Anexo V do mesmo diploma legal, e sujeitas, conforme os casos, ou a autorização da comissão de coordenação e desenvolvimento regional competente ou a comunicação prévia ao mesmo organismo desconcentrado do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (art.4º nº2 alíneas a) e b) do DL nº 93/90). Do art.4º nº4 do DL 93/90 resulta que a susceptibilidade de viabilização das acções previstas no Anexo IV depende da sua compatibilidade com as disposições aplicáveis dos vários instrumentos de gestão territorial para a área em causa.
As áreas integradas na REN são especificamente demarcadas em todos os instrumentos de planeamento que definam ou determinem a ocupação física do solo, designadamente planos especiais e municipais de ordenamento do território (art.10º DL nº93/90 e artigos 53º alínea e), 70º alínea e), 72º nº2 alínea a), 73º º4 alínea c) e 85º alínea c) do DL nº 380/99 de 22 de Setembro).
Do regime jurídico da REN fazem parte um conjunto de normas respeitantes à fiscalização do cumprimento do disposto no DL nº 93/90, fiscalização que compete ao Instituto de Conservação da Natureza, às comissões de coordenação e desenvolvimento regional, aos municípios, e a quaisquer outras entidades competentes em razão da matéria ou da área de jurisdição (art.11º nº1 do DL nº93/90).
Do art.12º e art.13º resultam a tipificação como ilícito de mera ordenação social e a punição como contra ordenação da realização das operações previstas no art.4º nº1 do DL nº93/90 em solos da REN.
O regime jurídico da REN contem ainda disposições sobre embargo e demolição das obras violadoras deste regime, bem como à reposição dos terrenos na situação anterior à infracção (art.14º). Segundo o art.15 do DL nº 93/90, são nulos os actos administrativos que licenciem ou autorizem a realização de obras e empreendimentos que destruam ou danifiquem o valor ecológicco das áreas integradas na REN.
O art.16º determina que as entidades competentes para o licenciamento estão sujeitas a responsabilidade civil pelos prejuízos que advenham, para particulares de boa fé, da nulidade dos actos administrativos anteriormente referidos.
As alterações ao DL nº93/90 operadas pelo DL nº180/2006, tiveram também como preocupação coordenar e articular o procedimento de elaboração, alteração e revisão de planos especiais e municipais de ordenamento do território e o procedimento de delimitação da REN, mas mantendo a autonomia de cada um dos procedimentos e dos actos em que eles desembocam.

Daniel Almeida nº14687

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