Responsabilidade Civil Ambiental
Introdução
O tema da responsabilidade civil é um tema ainda pouco estudado, no Direito do Ambiente. No entanto, sabendo todos nós a importância da responsabilidade civil no direito e tendo o tema do ambiente sido cada vez mais uma preocupação dos juristas e profissionais do Direito nos dias de hoje, há muito ainda por desenvolver e estudar.
Por este não ser especificamente um ponto aprofundado no nosso programa da disciplina, penso ser proveitoso para todos nós termos alguma noção do tema da responsabilidade civil no direito do ambiente, dai a minha escolha.
Imputação objectiva: nexo causal
Cabe-nos em primeiro lugar, nesta breve exposição, estudar como se imputam objectivamente os danos ambientais.
Passamos então a explicar, em que consiste a teoria da conditio sine qua non, estudada já por nós a propósito do Direito Civil e do Direito Penal. Segundo esta teoria a acção é considerada causa de um resultado, sempre que se a acção não tivesse sido praticada o resultado não se teria verificado. No entanto, veremos mais á frente que no âmbito do Direito do Ambiente, esta causalidade não é tipicamente comprovável.
Há muitas criticas a esta teoria, nomeadamente, que ela é inútil pois nada acrescenta à respectiva investigação, para além disso pode também induzir em erro, uma vez que permite imputar o resultado à mais longínqua condição, não tendo uma fórmula concreta para distinguir as acções relevantes das irrelevantes. Era necessária uma normativação do conceito.
Mais tarde houve uma evolução que originaria o conceito de teoria da condição adequada, que nos diz que o dano só é imputável ao agente quando o respectivo facto, para além de ser em concreto condição do dano, é também em abstracto adequado a produzi-lo. No entanto, nesta teoria é necessário ainda ter em conta os conhecimentos especiais do agente, de acordo com um juízo de prognose póstuma. Teoria esta que está subjacente aos artigos 563º C.C. e 10º C.P..
Mas, também esta teoria tem críticas que se possam fazer, nomeadamente o facto de que esta teoria apenas procede à correcção dos critérios naturalísticos da causalidade.
Alem das criticas concretas no geral, às teorias cabe no contexto, referir a insusceptibilidade de obtenção de um correcto enquadramento do problema da causalidade no domínio ambiental de acordo com esta teoria, uma vez que esta continua a seguir a lógica de conditio sine qua non e esta não e passível de demonstração na responsabilidade civil por danos ambientais.
Por fim, temos talvez a solução mais feliz, é esta a teoria do fim ou escopo da norma violada, segunda a qual devem ser imputados ao agente os danos por este causados, que correspondam à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjectivo ou da norma de protecção.
Primeiro pressuposto desta teoria é o desvalor da acção, para além disso na tutela jurídica do ambiente, papel central é ocupado pelas previsões do risco.
Cabe-nos então, fazer um exercício de aplicação da teoria: primeiro temos de saber se o facto é causa do dano, caso a resposta seja positiva, tem lugar um segundo momento, em que tem que se determinar se estamos perante um dano que a norma legal visava evitar.
Esta teoria tem tido grande apoio dos obrigacionistas alemães e crescente apoio da doutrina Portuguesa. No entanto, mais tarde veremos que também esta teoria falha no campo do direito do ambiente.
No Direito do Ambiente, pretende-se encontrar vias de imputação do dano ao agente, onde a demonstração da conditio sine qua non se assume impossível.
No âmbito da responsabilidade civil ambiental, é necessário perguntar que critério de imputação, que seja alternativo às teorias de imputação de base naturalístico-causal, pode cumprir as mesmas finalidades, acima de tudo garantísticas, que à conditio são em geral cometidas. Este critério de imputação deve ser valorativamente adequado e juridicamente operativo, ou seja, deve funcionar como efectivo instrumento jurídico útil na tarefa de identificação do nexo de causalidade no caso concreto. Falha aqui quanto aos dois requisitos enunciados, o recurso à causalidade em sentido natural, da responsabilidade civil por danos ambientais (a causalidade naturalística não serve no domínio ambiental), há portanto quem defenda, como é o caso da Prof. Ana Perestrelo de Oliveira que é necessário haver uma substituição deste conceito.
Com base na teoria da Prof. Ana Perestrelo de Oliveira, para formular uma teoria correcta e com resultado feliz de aplicação ao direito do ambiente, é necessário partir do conceito de risco. Esta é uma ideia base especialmente adaptada ao domínio ambiental. Esta ideia base é profundamente influenciada pelos princípios jurídicos, especialmente pelo princípio da precaução. E como sabemos, na base destes princípios está a ideia do risco, uma vez que toda a precaução é fundada na ideia de um risco aceitável pela comunidade. O Principio da Prevenção diz-nos que mais do reagir aos efeitos nocivos do ambiente, visando repará-los, o principal é evitar preventivamente a degradação do ambiente. Não será necessário dizer que também a responsabilidade civil tem uma função preventiva.
O Prof. Vasco Pereira da Silva vem também dizer-nos que ”fará todo o sentido considerar que no domínio da responsabilidade ambiental, dada a dificuldade em determinar rigorosamente as relações de causa-efeito entre acto ilícito e dano, mas havendo alguém a que possa ser imputada uma actividade ilícita e que esteja em condições de ter provocado tais danos, o direito do ambiente possa estabelecer uma presunção da causalidade ou introduzir alguma flexibilidade nos critérios de determinado nexo causal”. Desta forma, haverá então necessariamente a concretização do Princípio da Prevenção.
Aplicada ao domínio ambiental, a formula de conexão do risco diz-nos que o dano ambiental é imputável ao agente quando a conduta deste cria ou aumenta um risco não permitido ou previsto na fattispecie legal sendo o resultado ou evento danoso materialização / concretização desse risco. No entanto, demonstrar a criação ou aumento do risco é diferente da demonstração da conditio sine qua non que aqui não interfere.
Por fim, temos ainda que definir o que se entende por risco. Segundo o Prof. Menezes Cordeiro “o risco é uma eventualidade danosa potencial ou a susceptibilidade de ocorrência do dano”, definição com a qual concordo.
Concluímos referindo por fim, que nenhumas das três típicas teorias, são concretamente aplicáveis de forma adequada ao domínio ambiental, e baseados na convicção da Prof. Ana Perestrelo de Oliveira acordamos pela formulação de uma teoria mais correcta e adequada ao domínio ambiental, fundada no risco.
Prova do nexo causal
Relativamente à prova da causalidade, surgem dificuldades probatórias, que são fenómenos típicos e requerem respostas específicas e que possam concretamente ser aplicadas ao caso concreto.
Pergunta-se qual o grau de prova necessário para provar o nexo causal. Temos primeiro de definir, para responder a tal pergunta, o conceito de grau de prova, sendo este a medida de convicção que é necessária para que o tribunal possa julgar determinado facto como provado.
A regra geral no nosso ordenamento jurídico é de que, se exige uma probabilidade muito próxima da certeza.
Algumas legislações europeias determinam a suficiência da demonstração da probabilidade do nexo causal, com exigências probatórias gerais.
Apesar de tudo, para a Prof. Ana Perestrelo de Oliveira, não basta uma probabilidade razoável e isso porque segundo esta, a convicção que se exige em tribunal não é acerca da verificação da conditio sine qua non, mas sim sobre a atenuação ou aumento do risco.
Temos entre nós, duas modalidades de prova: por presunções legais, e por presunções naturais ou judiciais. No entanto, entre nós não existem presunções legais em matéria da causalidade da responsabilidade ambiental. Quanto às presunções naturais ou judiciais já pode haver alguma relevância face à probabilidade estatística.
Logo, é de concluir, que deve manter-se no campo ambiental, o grau de prova exigido em geral, ou seja, a convicção sobre a realidade do facto. No entanto, não passando a situação por aligeirar o grau de prova, é necessário repartir o ónus da prova.
Indagamos então se serão legítimas as inversões do ónus da prova não legalmente previstas. Como afirma o Prof. Vasco Pereira da Silva “a utilidade de presunções de causalidade (que no direito português só poderiam resultar de criação doutrinaria ou jurisprudencial) implica a atribuição de amplos poderes de decisão ao juiz, a que compete verificar a aptidão dos facto para a produção dos danos, em razão de circunstancias como a situação da empresa, a do seu modo de funcionamento, a das condições meteorológicas existentes, entre outros critérios”.
No domínio ambiental só pode reconhecer-se a legitimidade de presunções fundadas nos princípios ambientais. O Principio da Prevenção tem uma importante concretização adjectiva na inversão do ónus da prova. O Principio da Prevenção, diz-nos que a inversão do ónus da prova, é tarefa do legislador, mas posteriormente pode também resultar de construção jurisprudencial.
Para a Prof. Ana Perestrelo de Oliveira, no entanto, a repartição do ónus da prova é tarefa dos tribunais, pois tem a ver com a concretização da situação em matéria de prova, antes sequer da interpretação das normas legais.
Actualmente, o juiz deve exigir apenas que a vítima prove a aptidão abstracta da instalação para causar o dano, actuando então a presunção de imputação. Não significa aqui, no entanto, que haja uma abdicação da prova pela vítima.
O agente pode fazer a contraprova do risco abstracto ou a prova negativa do risco concreto, do mesmo modo que pode ainda, no segundo momento da imputação fazer a prova negativa da materialização do risco. Assim assegura-se o equilíbrio do risco e também que o mecanismo da responsabilidade civil permaneça como instrumento útil na tutela do ambiente.
De iure condendo, há no entanto, quem defenda outras soluções.
Os diferentes tipos de causalidade
Passamos agora para um ponto em que nos cabe distinguir entre os vários tipos de causalidade, cumulativa, aditiva ou alternativa.
A Causalidade Cumulativa ocorre quando o dano resulta da conjugação das condutas separadamente levadas a cabo por vários agentes, sendo certo que sem o contributo de um o dano já não se produziria. Por exemplo: vários agentes, separadamente despejam num rio quantidades de materiais poluentes em si mesmas insuficientes para provocar a mortes dos peixes mas que em conjunto a ocasionam.
A Causalidade Aditiva existe quando o dano já se produziria, independentemente do contributo do agente, mas este cooperou efectivamente para o dano.
A Causalidade Alternativa ocorre quando varias instalações estão em condições de ter causado o dano, sabendo-se que uma ou várias dessas instalações o causaram, mas não se sabendo exactamente qual ou quais.
Quanto a teoria da Causalidade Cumulativa, esta afirma a responsabilidade de todos os agentes (o que seria defensável face ao direito do ambiente, mas nem por isso relativamente a outros campos) uma vez que todos aumentaram o risco que se materializou no resultado. Em relação à Causalidade Aditiva, sendo todos responsáveis pelo aumento do dano, então todos aumentam o risco não permitido ou previsto na norma legal. Na Causalidade Alternativa, uma vez que todos os agentes podem ter causado o dano, mas apenas um deles o causou e não se sabe qual em concreto então ninguém responde. Mas aqui não está demonstrado o nexo de causalidade.
O Prof. Menezes de Leitão nega, de iure condito, a susceptibilidade de imputar o dano aos diversos intervenientes.
Já o Prof. Menezes Cordeiro, por sua vez nos diz que fica em aberto, a hipótese de responsabilização de todos os agentes.
Segundo a Prof. Ana Perestrelo de Oliveira também quando estamos perante um caso de causalidade alternativa o juiz deve presumir a imputação quanto a todos os sujeitos que aumentaram o risco de lesão, logo seriam todos responsáveis.
Podemos então concluir, que em todos os modelos de causalidade se presume a responsabilidade de todos os agentes. Mas será esta responsabilidade conjunta ou solidária? A regra deve ser a da responsabilidade solidária de todos os sujeitos, sem prejuízo do direito de regresso. Decorre isto, da aplicação dos princípios gerais do nosso ordenamento jurídico, para além de permitir evitar a transferência das dificuldades de prova da identificação dos autores para a identificação do contributo concreto de cada um deles.
Análise do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Proc. Nº 466/97) de 15 de Maio de 1997
No presente acórdão o M.P. propôs acção contra uma Sociedade, pedindo que esta fosse condenada a cessar totalmente a actividade da fábrica de torneiras de Braga, até que ficasse demonstrado que esta possuía licenciamento para a sua actividade industrial e despejos, bem como o pagamento de uma indemnização ao Estado.
No caso supra citado, ficou provado que a Ré tinha como actividade o fabrico de torneiras cromadas, que possuíam teores de crómio e níquel superiores aos máximos legais permitidos, o que causava perigo para a saúde pública e destruía a fauna e a flora da zona. A Ré tinha conhecimento de que tal actividade lhe era vedada por lei nesses termos e também de que estava a causar doenças nas pessoas e a destruição da natureza.
No entanto, a Ré diz ter mudado a fábrica de local e afiança ainda não ter actuado com dolo ou culpa grave.
No tribunal a quo a Ré foi condenada a cessar a actividade e a indemnizar o Estado no valor de 2.000.000 escudos (na moeda antiga em vigor à data do acórdão).
Esta recorreu da decisão, defendendo que procurou sempre as melhores soluções, não actuando com dolo e nem sequer com negligência seguindo todos os parâmetros de acordo com a atitude do critério do Homem Médio, entre outros argumentos.
O recurso apenas incidiu, no entanto, não sobre a cessação da actividade da fábrica, mas sobre o teor da justeza da indemnização a que o tribunal respondeu e bem em meu entender, que a sociedade actual ganhou consciência de que é necessário preservar o meio ambiente. Desta forma, a CRP no seu art. 66º/1 inclui o ambiente no elenco dos direitos e deveres fundamentais dos cidadãos.
Nesta situação actual e tendo em conta que a apelada fabricava bens com níveis bastante elevados de produtos tóxicos para o ambiente, por serem despejados no solo local para um ribeiro, razão pela qual este tinha cor amarelada, cheiro intenso e blocos de espuma como refere o acórdão, mais ainda se estes fossem ingeridos através da água ou alimentos pelas pessoas eram susceptíveis de provocar doenças, logo a apelante violou as normas e princípios relativos aos direitos do ambiente.
E se é certo que a apelante fez esforços para diminuir os danos ambientais, também é certo que não alcançou de todo os resultados pretendidos, por não ter tomado todas as providências necessárias que lhe foram exigidas.
Logo, de acordo com a sentença do tribunal da Relação a recorrente agiu com negligência, e o seu recurso foi negado, tendo ficado constituída na obrigação de indemnizar o Estado no valor antes referido.
Neste caso, e aplicando o aprendido e estudado, o dano ambiental (contaminação dos solos e ribeiro, e consequente degradação e possível contaminação da água bebível e alimentos) é imputável ao agente, que cria ou aumenta um risco não permitido na fattispecie legal sendo o resultado materialização desse risco. Neste caso, foi criado um risco para o ambiente e para a vida humana, sadia, ecológica e equilibrada prevista no art. 66º/1 CRP.
E o resultado, neste caso o dano que atrás foi referido, materializou-se nesse risco.
Logo, a fábrica teria de ser responsabilizada.
Quanto ao grau de prova, o juiz deve exigir como já estudamos, a prova da aptidão abstracta da actividade da fábrica (contendo os elevados níveis de produtos químicos) para causar o dano. E tendo em conta, a situação em que estava o ribeiro, facilmente se fariam análises ao solo e à água e se provaria com toda a certeza o nexo causal entre a actividade e o dano, embora essa certeza não fosse exigida. Era apenas necessário saber, se abstractamente, a actividade da fábrica naquelas condições era susceptível de criar aqueles danos e a resposta só poderia ser afirmativa.
Conclusão
Podemos concluir do nosso estudo, que todas as teorias da imputação objectiva foram negadas, sendo encontrada uma outra teoria doutrinária baseada por nossa parte nas convicções da Prof. Ana Perestrelo de Oliveira, assente na ideia base de risco, que nos diz que o dano ambiental é imputado ao agente quando este cria ou aumenta um risco não permitido na fattispecie legal sendo o resultado a materialização desse risco.
Quanto ao grau de prova, apenas deve ser exigido que se prove a aptidão abstracta da instalação para causar o dano, actuando então a presunção de imputação.
Face às teorias da causalidade, concluímos que quando o dano é provocado ou pelo menos foi efectuada uma actividade potencialmente danosa por diversos sujeitos, podemos dizer que das três teorias, para a doutrina defendida pela Prof. Ana Perestrelo de Oliveira, com a qual concordamos, todas elas responsabilizam todos os agentes e haverá uma responsabilidade solidária entre eles com direito de regresso, se a ele houver lugar posteriormente.
Terminamos com a referência a um acórdão para dar uma noção prática do tema.
Muito há ainda por escrever e desenvolver sobre o tema e de iure condendo há já algumas posições sobre o assunto, umas preferíveis a outras, e que esperemos ver mais debatidas nos tempos próximos, por ser uma matéria que a nível prático se debate todos os dias nas nossas vidas.
Bibliografia:
- Oliveira, Ana Perestrelo – Causalidade e imputação na responsabilidade ambiental
- Silva, Vasco Pereira da – Verde cor do Direito
- Silva, Vasco Pereira da - O meu Caderno Verde
- Cordeiro, Menezes – Da responsabilidade Civil
Mónica Campos
Subturma 2
Nº 14473
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