No âmbito do referido acórdão, em causa está a deliberação do Conselho de Ministros, tomada em reunião de 13 de Agosto de 1992, que aprovou a localização da nova ponte sobre o Tejo, situada nas proximidades do Samouco, no município de Alcochete, Sacavém e no município de Loures.
Em apreço estão as questões alegadas pela parte recorrente (liga para a protecção da natureza), relativas à deliberação tomada e à violação das normas do artigo 4.º n.º4 da directiva n.º 79/409/CEE, as normas dos artigos 3.º nºs 1 e 3 e artigo 5.º do DL n.º 186/90 de 6 Junho, artigo 3.º do DR 38/90 de 27 de Novembro e, ainda, o artigo 4.º n.º 6 do DR 78/90 pela referida.
No que concerne à norma do n.º 4 do artigo 4.º da directiva acima referida, o seu objectivo é evitar a poluição e a deterioração dos habitats, assim como as perturbações que afectam as aves nas Zonas de Protecção Especial, estando os Estados-Membros obrigados a tomar as medidas necessárias para acautelar a situação.
Neste contexto, importaria averiguar se a respectiva directiva vigora ou não directamente na ordem interna no sentido de permitir a sua invocação pela recorrente.
O tribunal veio a este propósito pronunciar-se considerando que as condições para a invocação da norma da directiva não estavam preenchidas, pois esta não especificava as actividades ou situações causadores da poluição ou deterioração dos habitats que afectem as aves e que assumam efeito significativo, referindo, ainda, que o conteúdo da disposição não apresentava um carácter preciso e incondicional necessário para produzir efeito directo.
Sobre este ponto, concordo que as directivas para poderem ser invocadas directamente pelos particulares, têm de conter disposições claras, inequívocas e incondicionais, de modo a que se possa prescindir da adopção pelo Estado Membro de quaisquer medidas internas de execução (como escreve Mota De Campos).
Tendo em conta a norma referida, os Estados membros só estão obrigados a evitar a poluição, degradação e perturbações nos habitats quando as referidas tenham um “efeito significativo”. Neste caso, verifica-se uma ampla margem de manobra para determinação dos factos que possam preencher este conceito indeterminado, não resultando, neste sentido, a condenação de todas as actividades potencialmente geradoras de perturbações das aves selvagens mas somente aquelas que apresentem tal efeito (como reitera o Supremo Tribunal Administrativo).
Assim, a falta de precisão e especificação da norma torna impossível a sua invocação directamente pelos particulares, não podendo constituir, no caso concreto, fundamento do recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho de Ministros em virtude de não haver qualquer violação do seu conteúdo por não referir o tipo de actividades susceptíveis de ter efeito significativo no meio ambiente.
Contudo, defendo que o Estado Português ao ter adoptado medidas administrativas, determinando por despacho a criação das ZPEs, devia ter definido o regime legal aplicável, a fim de especificar as actividades susceptíveis de ter um efeito significativo nos referidos habitats. Neste sentido, considero que o Estado Português incorria numa situação de incumprimento da Directiva pois não estaria a adoptar as medidas adequadas para atingir os resultados da mesma (que não se resumem apenas à criação das ZPEs mas também a evitar a sua degradação), ao qual está vinculado.
O facto de a directiva conter este conceito indeterminado, deixando à mercê dos Estados membros (administração/tribunais) a concretização do respectivo, conferindo uma ampla margem de decisão deixada ao abrigo do poder discricionário, compromete a defesa da parte recorrente que acaba por não ter suporte em termos de vinculação legal, precisamente, devido à inexistência de legislação criada para o efeito e à imprecisão do conceito previsto na norma da respectiva directiva. Saliente-se que o Supremo Tribunal Administrativo atendendo ao caso concreto, deveria ter suscitado questão prejudicial interpretativa de acordo o artigo 234.º alínea b) do tratado da Comunidade Europeia, no sentido de determinar o alcance da referida norma.
Outra matéria importante no acórdão respeita à questão da decisão da localização da nova ponte não respeitar as formalidades exigidas no procedimento administrativo relativo à avaliação do impacto ambiental (estando em causa a violação das normas dos artigos 3.º nºs 1,2,3 e 4 e artigo 5.º do DL n.º 186/90 de 6 Junho, artigo 3.º do DR 38/90 de 27 de Novembro e, ainda, o artigo 4.º n.º 6 do DR 78/90).
Quanto a este ponto, o tribunal considerou que a aprovação da localização da nova ponte não tinha que estar sujeita ao processo prévio de avaliação de impacto ambiental, precisamente, por este último incidir sobre projectos públicos e privados (como refere o artigo 1.º do decreto-lei n.º186/90, actual decreto-lei 69/2000), devendo apenas ter lugar aquando da aprovação dos referidos.
Em minha opinião, apesar da noção de projecto referida na alínea a) do diploma (actual alínea o) do dl 69/2000), se cingir à aprovação da realização de obras de construção ou de outras intervenções no meio natural ou na paisagem, não é de desconsiderar o facto da escolha de localização constituir um momento precedente à realização de obras e que apesar de serem realidades distintas apresentam uma relação de interdependência e de prejudicialidade pois integram o mesmo objecto.
A reforçar esta ideia, existe outro argumento essencial que pode ser extraído da própria noção de impacto ambiental prevista na alínea e) do artigo 2.º do dl 69/2000, quando refere a AIA como instrumento de carácter preventivo da política do ambiente, sustentado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e análise de possíveis alternativas.
O instituto da avaliação de impacte ambiental tem, antes de tudo, raiz preventiva, sendo que a sua actuação deve efectuar-se antes da realização da obra, tendo em vista medidas antecipatórias em vez de medidas repressivas, bem como o controlo da poluição na fonte, isto é, na sua origem (referência ao principio da prevenção previsto na alínea a) do artigo 3.º da LBA).
Atendendo ao próprio alcance preventivo deste instituto, não faz sentido sujeitar ao processo prévio de avaliação de impacto ambiental apenas o momento de aprovação de realização da obra, precisamente por as exigências ambientais colocarem-se ab initio, logo no momento da localização do projecto.
Em jeito de conclusão, não concordo com a fundamentação adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo, apoiada exclusivamente na letra da lei, sem atender aos fins do instituto de impacto ambiental cuja actuação apesar de ter por objecto os projectos, deve ser tida em conta nos momentos que antecedem a realização dos mesmos de modo a ser, devidamente, assegurada e salvaguardada a componente ambiental.
Por último, fazendo um paralelo com o sistema actual, a legislação relativa à matéria das aves e dos habitats prevista na directiva 79/409/CEE e complementada pela directiva 92/43/CEE, encontra-se regulada no decreto-lei 140/99, que estabelece os sítios da Rede Natura 2000, englobando as ZEC e as ZPE.
Este novo regime vem especificar as actividades susceptíveis de ter efeito significativo, em termos ambientais, nas zonas protegidas, previstas no artigo 8.º, referindo, ainda, que determinadas acções e projectos com incidências nas mesmas zonas estarão sujeitos a avaliação de impacto ambiental ou a um processo prévio de análise das questões ambientais, de acordo com artigo 9.º e 10.º do diploma acima citado.

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