A referência ao ‘Ambiente’ e ‘Qualidade de vida’ surge no disposto do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa.
Ao nível da tutela jurídica constitucional do bem ambiente, surgem duas perspectivas diferentes: enquanto tarefa estadual, prevista no art.9.º/e) da CRP e enquanto direito fundamental, definido no art. 66.º da CRP.
No seguimento desta consideração, este direito fundamental apresenta uma dupla natureza simultaneamente como direito subjectivo e como elemento da ordem objectiva da comunidade plasmado nas tarefas fundamentais do Estado.
Esta qualificação do direito ao ambiente está longe de ser pacífica, contrastando a perspectiva subjectivista, concernente na ideia de atribuição subjectiva de um direito na esfera individual de cada um, com uma perspectiva que tende a negar a referida dimensão.
Entendendo o direito ao ambiente como um direito subjectivo, assumindo-o igualmente como um direito negativo – um direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros de acções ambientalmente nocivas – ou um direito de defesa, contra agressões ilegais na esfera individual constitucionalmente protegida (art. 52.º/3/a) da CRP) e considerando a sua natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, constata-se que o mesmo beneficia do regime específico consagrado no artigo 17.º da CRP, no qual se destaca a vinculação das entidades públicas e privadas bem como a protecção do seu conteúdo essencial em caso de restrição, tendo em conta os parâmetros do art.18.º/2 e 3 da CRP.
A existência de relações jurídico públicas de ambiente constituem, igualmente, o fundamento deste direito fundamental. Nessa medida, as relações jurídicas ambientais tendem a ser vistas como relações multilaterais que contam com a intervenção de várias entidades, não só a Administração e o poluidor como também terceiros afectados.
A importância da ideia de relação jurídica multilateral encontra-se patente a nível do licenciamento industrial, em cujo âmbito se processa a formação de uma relação duradoura entre o industrial, a Administração e os demais interessados.
Uma vez contemplado o regime do licenciamento industrial, estabelecido no Decreto-Lei n.º 69/2003 alterado pelo decreto-lei n.º 183/2007, de 10 de Abril, regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 8/2003, de 11 de Abril que foi alterado pelo decreto n.º61/2007, verifica-se que o respectivo não se encontra vocacionado para a protecção exclusiva de um determinado interesse privado ou público mas para a contemporização de múltiplos interesses privados e públicos. Deste modo, se por um lado, impera o objectivo de promover o exercício da actividade industrial por outro, impõe-se a protecção e salvaguarda de outros interesses, sendo particularmente relevante a garantia da qualidade ambiental.
Para efeitos de definição do respectivo regime de licenciamento industrial, os estabelecimentos industriais são classificados de tipo 1 a 4, sendo esta classificação definida por ordem decrescente do grau de risco potencial para a pessoa humana e para o ambiente, inerente ao seu exercício (art. 2.º do decreto regulamentar n.º 8 /2003, de 11 de Abril). A portaria n.º 464/2003, de 6 de Junho, define as características inerentes a cada um dos graus de classificação e identifica a entidade coordenadora do processo de licenciamento para cada tipo de estabelecimento industrial.
Contando com o que foi exposto, o industrial para dar inicio ao exercício da sua actividade devidamente autorizada, terá de obter as mais variadas licenças que lhe são exigidas tendo em conta o tipo de estabelecimento que pretende instalar. Neste contexto, precedem-no aprovações de localização (art. 4.º do decreto Regulamentar), licenças de obras (art. 13.º de DR), licenças de utilização, eventuais licenças sanitárias, e um, também eventual, procedimento de avaliação de impacte ambiental (de acordo com o art. 12.º n.º2 alínea a) do DL n.º 69/2003 emitida nos termos DL n.º 69/2000, de 3 de Maio) ou licença ambiental (de acordo o artigo 12.º n.º 2 alínea c) do DL n.º 69/2003 emitida nos termos do DL n.º 194/2000 de 21 de Agosto) e tudo isto a cargo de diferentes entidades, umas da Administração central e outras de local.
Face a esta situação, há claras vantagens na simplificação processual do regime de licenciamento que poderia passar pela criação de um procedimento autorizativo único devidamente acompanhado por entidades multifacetadas, em que estivesse sempre representado o Ministério do Ambiente.
O facto da protecção ambiental ter de ser, desde logo, assegurada no inicio do procedimento licenciador industrial, atendendo às características inerentes aos estabelecimentos industriais cuja qualificação pode exigir a apresentação de elementos como a declaração de impacte ambiental ou estudo de impacte ambiental e pedido de licença ambiental (art. 5.º n.º 3 decreto regulamentar n.º 8/2003, de 11 de Abril), não implica que, no decurso da actividade, essa protecção seja descurada.
Neste contexto, assume especial importância a fiscalização, prevista no disposto do art. 17.º do DL n.º69/2003 de 10 de Abril. De acordo com o referido preceito, as actividades industriais estão sujeitas a fiscalização, sendo que as entidades intervenientes no processo de licenciamento podem solicitar à entidade coordenadora a adopção de medidas, a impor ao industrial para prevenir riscos e inconvenientes susceptíveis de afectar o ambiente.
È, de referir, a presença na norma do princípio da prevenção – verdadeira pedra angular do Direito do Ambiente – e do princípio do Poluidor Pagador na sua vertente preventiva, de protecção ambiental através da prevenção de danos e não de uma intervenção a posteriori ou depois da poluição, exigindo por esta uma compensação.
Quando detectada uma situação de perigo grave, nomeadamente para o ambiente, poderão ser tomadas providências cautelares adequadas no sentido de eliminar a situação em causa, segundo o disposto do art.18.º de mesmo Decreto-Lei. A situação de perigo grave poderá consubstanciar-se no incumprimento das normas de qualidade ambiental e/ou em risco grave de produção de danos para o ambiente.
Relativamente à competência para adoptar medidas preventivas, como vem referido no respectivo preceito, esta compete à entidade coordenadora e as demais entidades fiscalizadoras. Uma critica a apontar a esta norma é, precisamente, a questão destas entidades, uma vez encarregues de proceder à qualificação das indústrias para efeitos de licenciamento industrial (por referência ao art. 2.º/ j) e l) do decreto-lei), não estarem vocacionadas para defesa de valores ambientais, sendo entidades estranhas à promoção ambiental e representativas de interesses conflituantes (o do desenvolvimento industrial). Todavia, é importante reter que, sempre que esteja em causa a salvaguarda do Ambiente, a titulo preventivo, será competente para actuar no sentido de adoptar as medidas necessárias, o inspector-geral do ambiente, como prevê o art. 5.º n.º1 alínea c) e o art. 3.º n.º2 alíneas m) e o) da lei orgânica da Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, o que constitui uma “válvula de escape” ao art. 18.º do decreto-lei.
Segundo o art. 6.º do decreto-lei n.º69/2003, de 10 de Abril, é possível apresentar reclamações relativas à instalação, alteração, exploração e desactivação de qualquer estabelecimento industrial. Neste prisma, encontra-se tutelada a posição de terceiros afectados que poderão intervir na salvaguarda dos seus interesses e direitos, podendo ter como pano de fundo o bem jurídico ambiente.
De um modo geral, para além do cumprimento das normas disciplinadoras do exercício industrial, da sujeição a medidas fiscalizadoras e preventivas, de sanções e da obrigação de pagamento de taxas, o industrial ao fim de anos de laboração e face a novas exigências ditadas pelo ambiente, pode ver a sua actividade suspensa a fim de se impor o cumprimento de medidas tendentes à eliminação de riscos de índole ambiental.
Neste âmbito, o bem ambiente sobrepõe-se ao desenvolvimento da actividade industrial. Contudo, torna-se necessário ponderar as circunstâncias do caso concreto, no sentido de verificar se a sobreposição deste direito comporta encargos excessivos para o industrial, configurando uma situação equiparada a uma expropriação, a qual implicaria o pagamento da devida indemnização.
Em nome do princípio da tutela da confiança e das legítimas expectativas, o facto de ser atribuída uma licença ao industrial e da mesma estar sujeita a renovações e até a alterações em razão de eventuais exigências ambientais, não deixa de exigir direito a indemnização quando o sacrifício imposto é tal de modo especial e anormal que seria o equivalente a uma medida expropriativa.
Não obstante, admitindo as licenças como actos constitutivos de direitos e entendendo que gozam de um regime de irrevogabilidade em homenagem ao principio da protecção da confiança e segurança jurídica, seria ainda assim um erro absolutizá-las, não as adequando às novas e crescentes realidades tendentes à protecção do ambiente.
Neste sentido, defendo que o direito do ambiente impere como direito prevalecente, sobre o direito de desenvolvimento das actividades económicas, por ser um bem que merece valorativamente mais respeito no caso concreto. Todavia, admito que o industrial, ao ser titular de um direito válido e eficaz concedido pela Administração deve ser ressarcido pelos prejuízos sofridos inerentes às novas condições impostas, ainda que necessárias, adequadas e proporcionais, assim o exige o princípio de justiça ambiental.
Em resultado do acima exposto, o novo regime de licenciamento industrial, consagra três interesses fundamentais: interesse económico, interesse ambiental e o interesse simplificatório. O decreto-lei n.º 69/2003 alterado pelo DL n.º 183/2007, destina-se a dar cumprimento à orientação do Programa de Simplificação Legislativa e Administrativa «Simplex», no sentido de transformar o licenciamento prévio obrigatório dos estabelecimentos industriais incluídos no regime do tipo 4, num regime de declaração prévia ao exercício da actividade industrial.
Nesta sequência, assiste-se à passagem de um regime licenciamento para um regime de comunicação.
A alteração introduzida pelo decreto-lei n.º 183/2007 ao decreto-lei n.º69/2003, no que respeita à possibilidade de pedido de exclusão da sujeição à licença ambiental e, consequentemente, do regime de prevenção e controlo integrados na poluição e respectivos procedimentos de verificação e controlo, previstos no n.º 8 e n.º 9 do art. 12.º do referido decreto, constitui um exemplo, apesar do intuito simplificador e desburocratizador do preceito, de desvirtuamento da lógica de protecção ambiental, favorecendo aquele que ao pretender exercer uma actividade industrial poderá não estar sujeito ao controlo que a própria salvaguarda do ambiente impõe.
Contudo, se por um lado o industrial (no caso da instalação, alteração, exploração dos estabelecimentos do tipo 4) pode ver a sua posição jurídica beneficiada em virtude de ter à sua disposição um regime de declaração prévia, ao invés do regime de licenciamento industrial como os estabelecimentos do tipo 1, 2 e 3, por outro, o respectivo, apesar de ter de cumprir a legislação aplicável em matéria de ambiente, não tendo a certeza de que a decisão da entidade administrativa afigura-se como segura quanto a esta matéria, pode ver, mais tarde, a referida ser impugnada por uma associação ambiental.
O facto da decisão administrativa não contemplar uma análise equiparada à que resultaria da sujeição ao regime de licenciamento industrial, entenda-se com a sujeição à licença ambiental e ao regime de prevenção e controlo integrados na poluição e respectivos procedimentos de verificação, perpetua uma situação de incerteza e insegurança na posição jurídica do industrial, que poderá, por via impugnatória, ser posta em causa quando razões imperativas de defesa do interesse ambiental o justifiquem.
Assim, considero que medidas simplificadoras levadas a cabo pelo Programa «simplex» são susceptíveis de descurar aspectos importantes como os exigidos em matéria de defesa do ambiente e defendo que devem ser adoptados mecanismos que permitam que a componente ambiental seja devidamente assegurada em virtude da constante mutação de uma realidade que impõe actualizações neste domínio.
Creio, também, que a redução ou supressão de actos e procedimentos tem de ser feita na medida em que os mesmos forem dispensáveis e irrelevantes para o processo de licenciamento, sob pena de serem cometidas irregularidades e ilegalidades, tendo em atenção o quadro de normas disciplinadoras do exercício da actividade industrial.
A observância das normas legais e regulamentares aplicáveis constitui um imperativo, atendendo às próprias funções e aos objectivos que definem o licenciamento industrial, visto que compatibilização de interesses tanto por parte dos industriais como por parte da comunidade têm de ser efectivamente assegurados.
Etiquetas: Erica Cruz st11