O acórdão do Tribunal de Justiça de 14/07/2001, tem por objecto um litígio, que opõe a Comissão das Comunidades Europeias e o Estado Membro da Bélgica, relativo ao incumprimento de transposição de Directivas Comunitárias impostas pela Comunidade ao referido estado.
Tendo em conta o conteúdo das directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337, impõe-se aos Estados que adoptem as medidas necessárias de modo a que as actividades ou a instalação das mesmas estejam sujeitas a uma autorização prévia (directivas 75/442, 76/464, 80/68 e 84/360) e que os projectos, susceptíveis de ter impacto ambiental, sejam submetidos a uma avaliação a priori, ou seja, antes da concessão de aprovação (Directiva 85/337).
No caso, o Estado belga apesar de ter adoptado disposições no sentido de sujeitar as actividades ao pedido de autorização, consagrou outras, nomeadamente as contidas na regulamentação das Regiões da Flandres e da Valónia, que previam um regime de concessão e recusa tácitas de autorizações. Este regime, por sua vez, veio a determinar, que em primeira instância, o silêncio da autoridade competente perante um pedido de autorização corresponderia a uma recusa, sendo que, em segunda instância, a não pronúncia por parte da mesma, daria lugar a que a autorização fosse concedida.Considerando estes factos, a Comissão entendeu que o Estado da Bélgica não transpôs correctamente as directivas, tendo incumprido o Direito Comunitário.
Como fundamento, a Bélgica alegou que o regime de concessão e recusa tácitas de autorizações tinha um campo de aplicação limitado, tendo sido pouco o número de autorizações tácitas concedidas. A reforçar esta ideia, o governo da flandres referiu que as autoridades competentes estavam bem informadas relativamente às consequências da ausência de pronúncia, alegando, ainda o facto do pedido de autorização ser objecto de uma avaliação circunscrita ao caso concreto, o que servia para afastar a ideia de uma avaliação negligente ou passiva associada à concessão de uma autorização tácita. Atendendo a estas formulações, a comissão instaura uma acção de incumprimento, que tem por base a alegação de que o regime de autorizações tácitas é incompatível com as exigências das directivas 75/442/CEE, 76/464/CEE, 80/68/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CEE, que determinam a adopção «após cada investigação e atendendo aos seus resultados, de um acto expresso, de proibição ou autorização» (referência jurisprudencial ao acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, C-360/87, Colect., p. I-791, n.º 31).
Assim, a incompatibilidade entre as autorizações tácitas e os mecanismos previstos nas directivas que apontam para a necessidade de autorizações prévias e avaliações antes da concessão de autorização, obrigam as autoridades nacionais a verificar todos os pedidos de autorização suscitados no caso concreto, incorrendo em incumprimento no caso de não se pronunciarem sobre tais aspectos.
Em relação a esta matéria, considero que o Tribunal de Justiça esteve bem, nomeadamente a comissão das Comunidades Europeias, por estar em causa questões ambientais concernentes à temática da avaliação do impacto ambiental.
Desta forma, admito que a consagração de autorização tácita neste tipo de procedimento daria lugar a situações em que o bem jurídico ambiente fosse negligenciado, permitindo àqueles que pretendessem instalar uma actividade “furtar-se à efectiva aprovação” por parte das entidades administrativas.
Neste sentido, entendo que o governo da flandres ao ter consagrado um regime de recusa e de concessão tácita de autorização, permitiria não só que os pedidos de autorização passassem sem terem sido objecto de uma avaliação ou exame por parte da Administração, simplesmente em virtude da não pronúncia entendida consoante o caso como recusa ou concessão, como contribuiria para perpetuar situações de profunda injustiça associadas a um procedimento marcado pela arbitrariedade das decisões (ou ausência destas) por parte das autoridades competentes. O facto de se poder conceder tacitamente uma autorização daria a possibilidade de determinada actividade vir a ser autorizada, independentemente dos eventuais efeitos nocivos que implicasse para o ambiente, pelo simples facto de não ter sido objecto da devida avaliação que deve preceder a aprovação.
Em matéria ambiental, as directivas comunitárias, gozando de eficácia directa, obrigam a Administração Pública dos Estados-Membros e os respectivos tribunais, devendo todos os actos que importem a sua violação ser afastados da ordem jurídica, precisamente por serem contrários ao direito comunitário. Nesta lógica, nunca seria admissível um Estado que ao transpor incorrectamente uma directiva permitisse disposições contrárias à mesma, não cumprindo o resultado pretendido com a referida directiva.
Face a esta exposição, é possível fazer um paralelo com o nosso direito interno, especialmente com a legislação referente à avaliação do impacto ambiental, instituída pelo Decreto - Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º85/337/CEE, do Conselho de 27 de Junho de 1985, com as alterações introduzidas pela Directiva n.º 97/11/CE, do Conselho de 3 de Março de 1997.
No caso português, apesar de não se ter estabelecido um regime de recusa ou concessão tácita de autorizações no âmbito do procedimento de impacto ambiental tal qual como é apresentado no caso Belga, é de referir que a norma do artigo 19.º do dl n.º69/2000, assume contornos que se assemelham ao referido regime, por perspectivar, no final do procedimento de avaliação do impacto ambiental, uma situação em que é possível, na falta de comunicação à entidade competente dentro do prazo previsto, a formação de um deferimento tácito.
Este preceito tal qual como está redigido, é incompatível com as exigências ambientais impostas pelas directivas comunitárias, que obrigam as autoridades nacionais (Administração e tribunais) a apreciarem todos os pedidos de autorização que lhe são submetidos em ordem à avaliação das eventuais consequências para o ambiente que determinado projecto poderá apresentar.
Deste modo, impende a obrigação de ponderar devidamente as razões de facto e de direito subjacentes ao estudo de impacto ambiental, sendo que a declaração de impacto ambiental ao ser amplamente desfavorável, não permite que a administração tenha margem de manobra para deferir tacitamente.
Tendo em consideração os fundamentos referidos pela Comissão Europeia no presente acórdão, penso que este preceito poderia consubstanciar uma violação das obrigações impostas por força do tratado Comunitário no que respeita à transposição de directivas, em virtude do Estado Português manter disposições legislativas contrárias ao direito Comunitário.
Em jeito de conclusão, cumpre apenas referir que o Estado Belga deve consagrar um regime de recusa ou concessões expressas de autorizações, de modo a garantir que o procedimento de avaliação de impacto ambiental goze da sua plena eficácia, assegurando o devido exame de todos os pedidos autorizativos, para que não seja descurada, de grosso modo, a componente ambiental.

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