Muitos dos conflitos suscitados pelo Direito do Ambiente fogem ao esquema clássico do Contencioso Administrativo de protecção dos direitos individuais (e a que só o titular de um interesse directo e pessoal podia exigir (tutela jurisdicional), envolvendo uma multidão de pessoas afectadas.
Nesta óptica, o contencioso administrativo tem pois de abrir-se à protecção de interesses colectivos, à harmonização de interesses públicos conflituantes, falando-se igualmente na “socialização” do acesso à justiça em face da necessidade de reconhecer uma legitimidade mais ampla nos casos onde não haja lesões individuais e concretas, permitindo que cada cidadão em nome do interesse público, possa exigir o cumprimento do direito objectivo.
Veja-se, então, algumas das mudanças que se vão afirmando, designadamente, no recurso contencioso de anulação de actos administrativos lesivos do Ambiente. No que respeita à forma de aferir legitimidade activa, no contencioso administrativo, ela afere-se através do interesse pessoal, directo e legitimo na anulação do acto administrativo (art. 55.º/1/a) do CPTA), na base da tradicional configuração bilateral do recurso contencioso, destinado em primeira linha à protecção individual dos interesses pessoais do recorrente.
No domínio do Ambiente, os efeitos jurídicos do acto administrativo em relação aos terceiros (que não são destinatários directos do acto), são cada vez mais relevantes, impondo o direito à tutela jurisdicional efectiva que os terceiros possam aceder ao contencioso administrativo (ex: cidadãos individuais, associações ou agentes do M.P).
Esta matéria encontra expressão no âmbito relações jurídicas de vizinhança, onde por via de regra, intervêm mais de dois sujeitos, de um lado, a entidade administrativa (ou várias entidades administrativas, a quem cabe a gestão de interesses públicos por vezes conflituantes) que emana um qualquer acto autorizativo, do outro lado, o particular destinatário e beneficiário do acto e o «terceiro-vizinho» (ou vários vizinhos), prejudicado por esse mesmo acto.
Este último interveniente, ao ser titular de uma posição jurídica subjectiva, perante uma lesão ambiental, é-lhe permitido reagir, quer contra a entidade administrativa que praticou o acto (pela via do contencioso administrativo), quer perante o particular destinatário do acto (agora pela via tradicional do processo cível).
Neste sentido, pode-se dizer que a relação jurídica de vizinhança compreende a posição subjectiva de terceiros juridicamente protegida por normas de direito público, sendo vizinho um terceiro com uma posição jurídica particularmente qualificada e individualizada (implicando o direito de pretender que outros sujeitos se abstenham de determinadas actividades ou comportamentos lesivos do ambiente). Hoje, vizinho não é só o do prédio contíguo, devendo abranger outras pessoas que possuam relações de proximidade com as instalações ou actividades em causa e que possam ser por elas prejudicados.
Neste sentido, a protecção de terceiros assume-se como juridicamente relevante, pois permite o acesso ao processo, de interesses daqueles que embora não participam num procedimento administrativo relativo a um acto, possam ser por ele afectados, em virtude das relações que mantenham com a actividade em causa.
Dentro deste âmbito, cumpre referir os meios processuais colocados à disposição destes interessados, para reagirem às lesões no seu direito ao ambiente e qualidade de vida. Por um lado, o lesado poderá accionar as garantias contenciosas previstas pelo direito administrativo, no caso de as lesões serem provocadas por uma intervenção administrativa (pense-se nas autorizações para o exercício de certa actividade ou construção de certo edifício).
Tais garantias poderão divergir consoante o acto administrativo autorizativo seja ilegal, exigindo-se a via da acção administrativa especial, impugnação e condenação à prática do acto devido (artigo 46.ºn.º alínea a) e b) do CPTA), processos cautelares (artigo 112.º n.º1 e n.º2 a) e f), artigo 131.º n.º1 do CPTA) e meio processual urgente, acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (artigo 109º n.º 1 CPTA). Por sua vez, se estiver em causa um acto administrativo legal (no caso do acto cumprir as exigências legais e regulamentares), o vizinho lesado poderá recorrer à acção administrativa comum, pedindo o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido (nos termos do artigo 37.º n.º1 e 2 alínea a) e alínea c) do CPTA), na situação da administração não cumprir o dever de controlo da actividade autorizada, incorrendo em omissão.
Por outro lado, o mesmo poderá accionar as tradicionais garantias do direito civil contra o particular, destinatário do acto (intentando uma acção de vizinhança) e até contra a Administração (através de uma acção de responsabilidade civil por factos ilícitos pela omissão indevida da fiscalização da actividade industrial previamente autorizada e das respectivas emissões).
Quanto à acção de vizinhança, a mesma não é uma acção popular porque se baseia em posição jurídico materiais individualizadas ou individualizáveis, estando aqui em causa a protecção do ambiente numa perspectiva subjectivista e individualista. Contudo, a comunidade no geral pode beneficiar da acção desse individuo qualificado lesado em face dos outros e que assume a tarefa de afastar o acto.
Considerando o acima exposto, chega-se à conclusão de que as relações jurídicas ambientais sendo relações multilaterais na medida em que envolvem vários intervenientes (a administração, o poluidor e terceiros) devem ser plenamente asseguradas no âmbito do contencioso administrativo, não só num plano de protecção individual como num plano de protecção colectiva de interesses.

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